MIASTENIA GRAVIS
A incidência
de miastenia gravis é de 1 a 2 por 10.000 habitantes no mundo, sendo a
prevalência de 20 a 50 por 100.000 com mortalidade entre 3 e 8% ao ano. No
Brasil sabe-se que a grande maioria é de mulheres (85%), estando de acordo com
o que ocorre no mundo, que seriam nas mulheres e idosos.
FISIOPATOLOGIA
Doença
muscular autoimune ocasionada pela perda de receptores de acetilcolina na
junção neuromuscular, causando redução nos potenciais elétricos e lentidão na
atividade muscular. Ocorre por três mecanismos adiante discutidos:
internalização dos receptores por linfócitos ou demais células de defesa;
degradação dos receptores após ligação com proteínas do complemento; ligação
dos receptores de acetilcolina aos anticorpos, nesse momento já impedidos de se
ligarem à acetilcolina. As formas são: do recém-nascido, congênita, mediada por
medicamentos e autoimune, a mais comum.
A forma
autoimune envolve o papel de anticorpos e nesse caso o timo é largamente
relacionado. A hipótese de que o timo produz anticorpos imunocompetentes contra
os receptores de acetilcolina (AChRs) se baseia no fato de 75% dos pacientes
apresentarem modificações importantes no timo, mais frequentemente hiperplasia
e timona. Tudo ocorreria com a falha de uma possível supressão de linfócitos T helper
mediada pelo timo, o qual começaria a produzir linfócitos B secretores de anticorpos
contra os AChRs. Nesse caso um equilíbrio é quebrado: a produção desses
linfócitos T regulatórios que suprimem a atividade de outros linfócitos T CD4+
e CD25+ com atividade antireceptor. A partir do momento em que haja uma
disfunção na produção dos linfócitos regulatórios pelo timo a tolerância aos
AChRs é quebrada e então o ataque se torna efetivo. Outro possível mecanismo
seria a presença de infecções virais e bacterianas com indução a modificações
nas proteínas da placa motora tornando-a sensibilizadora do sistema de
complemento e dos linfócitos T já citados.
Vários são os
resultados. Após a ligação com os anticorpos os receptores são endocitados e
destruídos por enzimas lisossomais diminuído o número de receptores nas placas
motoras. Quando trata-se do sistema de complemento, as proteínas se ligam à
superfície das membranas e ativam a cascata de ataque atraindo células
fagocitárias em geral que destroem porções da membrana da placa motora onde
estariam os AChRs. Além disso, a própria ligação dos anticorpos à região MIR
dos AChRs já ocupa os sítios onde a acetilcolina se acopla para disparar o
potencial elétrico. Ou seja, a diminuição da atividade muscular já começa mesmo
antes da destruição dos receptores.
Estudos
também indicam um mecanismo indireto na gênese da MG, quando linfócitos T
exercem uma função natural de degradação de AChRs através da enzima granzima,
que degradaria os receptores e os subprodutos dessa ação desencadeariam a
sensibilização dos linfócitos do timo.
Existem
também os anticorpos. Daqueles 10% dos pacientes com MG generalizada e 50% com
a forma extraocular que não apresentam anticorpos contra AChRs, quase metade
apresenta anticorpos contra MUSK (proteína de membrana ligada ao AChR). Existem ainda nos pacientes sem sensibilidade
contra AChR a produção de anticorpos contra outras proteínas da placa motora,
tais como a titina, actina, rapsina e
miosina.
CLASSIFICAÇÃO
QUANTO AOS
AUTOANTÍGENOS
·
Soropositiva: 90% dos casos. Do restante 40 a
50% daqueles com miastenia extraocular e 10% daqueles com miastenia generalizada
possui anticorpos contra MUSK.
·
Soronegativa: esses possuem menor resposta com o
tratamento imunossupressor.
QUANTO A
GRAVIDADESEGUNDO TURNER (2007)
·
I: fraqueza muscular ocular com ptose e
diplopia;
·
IIa: soma-se comprometimento de músculos das
extremidades e da orofaringe com modificação da voz;
·
IIb: fraqueza moderada com comprometimento
respiratório e orofaringe;
·
III: sinais generalizados agudos e fulminantes
com envolvimento bulbar e crise miastênica;
·
IV: condição severa, com sintomas generalizados,
comprometimento respiratório e necessidade de intubação.
ETIOLOGIA
·
Autoimune adquirido: a mais comum no adulto;
·
Induzida por drogas: fenitoína, amnoglicosideos,
anestesia local. É classificada como autoimune;
·
Neonatal: ocorre por transmissão passiva de
anticorpos da mãe pela placenta. Surge sintomas ao nascer ou até 72 horas e tem
remissão até seis semanas, mais comum até três;
·
Congênita: mutação nas proteínas da placa
motora.
SINTOMAS
A crise miastenica é uma piora da função
respiratória tão grande que impede a respiração. Ocorre mais nas 3ª e 4ª
décadas de vida e nos primeiros anos de aparecimento da doença, sendo
precipitado por infecções respiratórias ou medicamentos.
Fraqueza e fadiga depois de qualquer
atividade sustentada como dirigir por longo período ou corrigir provas,
exercícios, estresse e temperaturas elevadas, melhorando após repouso. O acometimento dos músculos extra-oculares
ocorrem em 90% dos casos após um período longo de leitura ou dirigindo. Os
primeiros músculos a serem atingidos são os levantadores da pálpebra superior,
facial, extensores do pescoço e dos membros superiores.
O
acometimento extra-ocular ocorre em 50% dos pacientes e causa a diplopia e a
ptose palpebral de ocorrência assimétrica e flutuante, que melhora após a
aplicação de gelo na pálpebra e após o sono. Face pouco expressiva, modificação
na voz por conta da perda do tônus dos músculos do palato, da mastigação e da
laringe, causando abertura aumentada das cordas vocais e estridor laríngeo. O acometimento
dos músculos da mastigação causa disfagia e por vezes é tão severa a ponto de
haver impossibilidade de manter a boca fechada. A fraqueza da musculatura do
palato pode ocasionar regurgitação alimentar. Ainda pode ocorrer o lid twich, quando solicita-se ao paciente para
olhar de baixo para cima, quando então a pálpebra faz um movimento exagerado,
logo depois caindo um pouco.
Apesar de não
ser incomum os pacientes apresentarem depressão, não há relação direta com a
patologia, pois apenas a junção neuromuscular é acometida. Já o emagrecimento
ocorre pela dificuldade de mastigar, que compromete alimentação.
DIAGNÓSTICO
Anamnese e
exame físico são de extrema importância, mas são confundidores pela raridade da
ocorrência e pela exuberância de diagnósticos diferenciais. O quadro pode
remeter o raciocínio para AVC, hipotireoidismo, compressão de nervos por massas
intracranianas, miopatias mitocondriais, histeria, botulismo e síndrome de Eaton
Lambert. Tanto essa como a miastenia produzem uma clínica semelhante, porém na Eaton-Lambert as alterações
ocorrem no neurônio pré-sináptico, com inibição da liberação das vesículas de
acetilcolina por bloqueio de canais cálcio dependentes. No exame físico o teste
de Mingazzini avalia os membros
inferiores ao solicitar ao paciente que se mantenha a postura por dois minutos,
além da análise dos músculos da respiração. Ao exame físico a contagem do
paciente de um a 50 demonstra uma mudança progressiva de diminuição de volume,
seguida de voz anasalada ou até mesmo ter e segurar a mandíbula para falar.
Fadiga sem fraqueza não combina com MG, enquanto que sintomas que pioram no
decorrer do dia são bem consistentes com a patologia.
O teste
complementar mais importante é a pesquisa
de anticorpos anti-AChR. No teste
anticolinesterase o paciente é medicado com inibidores da
acetilcolinesterase apresentando melhora pela maior permanência da ACh na placa
motora. O mais utilizado é o cloridrato de edrofônio, que tem início de efeito
em 30 segundos e duração de cinco minutos. Se constatada melhora é feita uma
injeção de atropina para não sensibilizar os agentes anticolinesterásicos
latentes. Dois minutos após a injeção da atropina a fraqueza retorna e então é
dada nova dose de cloridrato de edrofônio. Se o paciente referir melhora da
fraqueza o teste é positivo, podendo ainda ser realizada uma terceira dose caso
a melhora não ocorra após a segunda.
Como 70% dos
pacientes apresentam hiperplasia do timo e 20% apresentam timona a TC de tórax com contraste é indispensável,
devendo ser precedido da radiografia de
tórax. Outro exame é a eletromiografia
repetida e em um ou dois conjuntos musculares. Na MG a amplitude dos
potenciais de ação vai diminuindo gradativamente, já iniciando a partir do
décimo estímulo. Por fim e menos específico pode-se dosar os níveis de
haptoglobina, uma alfa-2-glicoproteína que se liga à hemoglobina livre no
sangue, sendo também marcador de processos inflamatórios, infecciosos e
hemolíticos. Estudos identificaram que este composto está aumentado no sangue
de pacientes com MG.
TRATAMENTO
A timectomia é considerada tratamento de
primeira linha nos casos de MG generalizada (mesmo sem alterações no timo) e
timona com potencial invasor. Os pacientes devem estar entre 10 e 50 anos com
início recente da doença. A resposta é gradual e chega ao máximo de 2 a 5 anos.
Os pacientes anti-MUSK positivos e AChR negativos também apresentam boa
resposta à retirada do timo.
A pasmaferese é uma técnica utilizada
para separar do plasma elementos com potencial patológico, nesse caso aqui, anticorpos
anti-AChR. Tem sido utilizada há mais de trinta anos nos pacientes com MG. É
indicada para o controle rápido dos sintomas, geralmente após dois dias e
mantendo efeito satisfatório entre 4 e 10 semanas. A indicação principal é para
a crise. Uso de imunoglobulina
possui a mesma indicação e por isso é uma alternativa, tendo efeito de retirada
do sangue de imunoglobulinas anti AChR e de linfócitos T sensibilizados. O
efeito é o mesmo da plasmaferese, contudo é mais lenta, ocorrendo em torno de 4
a 5 dias e durando várias semanas.
O tratamento
farmacológico ocorre com inibidores da acetilcolinesterase juntamente com
imunossupressores, embora 10% dos pacientes apresentam piora da MG ao uso de
glicocorticoides.
REFERÊNCIAS
BRANCO, Alessandra Camillo Da Silveira Castello. Atualizações
e Perspectivas na Miastenia gravis. Revista
Brasileira de Ciências da Saúde. v. 15. n. 4. p. 493-506, 2011. (DESTAQUE)
Clínica
médica: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia,
transtornos mentais. v. 6. Barueri, SP: Manole, 2009.
COTRAN, R.S;
Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases
Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2005.