sexta-feira, 21 de novembro de 2014

DESCOLAMENTO PREMATURO DE PLACENTA (DPP)



Antes de tudo é importante compreender o que é a placenta. Então o endométrio gravídico é chamado de decídua. Ela é dividida em decídua basal, que dará origem ao lado fetal da placenta; decídua capsular é a porção que encobre o feto até a 22-24 semanas, quando se torna muito delgada e assim tem reduzido seu suprimento sanguíneo, o que a faz desaparecer. Por fim há a decídua parietal, a porção materna da placenta. Na maturação da placenta são formadas vilosidades coriônicas, que é o conjunto formado entre citotrofoblasto, sinciciotrofoblasto e mesoderma extraembrionário. Esse conjunto possui duas superfícies bem diferentes, uma porção virada para o feto de superfície lisa chamada de córion liso e uma porção com vilosidades voltada para o lado materno chamada de córion frondoso ou viloso. Pois bem, a placenta é justamente o conjunto formado entre o córion viloso e a decídua basal.

O DPP consiste em desolamento da placenta de inserção normal depois da 20ª semana de gestação. A incidência varia entre 1 a cada 75 a 225 nascimentos. O Óbito fetal pode ocorrer principalmente quando outras condições estiverem associadas, a exemplo do retardo do crescimento intra-uterino e parto prematuro. Na presença de descolamento há nove vezes mais chances de haver morte fetal e quatro vezes mais chances de haver parto prematuro.

Tudo começa com rompimento de uma das 80 a 100 artérias espiraladas entre a decídua parietal e a placenta, podendo ser pequeno e autolimitado ou pode crescer e dissecar essas duas porções interrompendo os nutrientes e gases que passariam por esse local até o feto. O posicionamento do hematoma que se forma pode ser dois: ou pode se espalhar pela cavidade uterina na medida em que o descolamento cresce até alcançar o colo uterino fazendo com que esse sangue se exteriorize (hemorragia externa), ou pode não alcançar o colo e permanecer oculto – 20% dos casos (hemorragia oculta). De qualquer forma esse descolamento não advém de um único fator com exceção de traumas. Geralmente ocorrem má formações vasculares com aumento da fragilidade dos vasos na interface placenta decídua, inflamações agudas e placentação anômala, mas todos de período variável, geralmente com início no primeiro trimestre no momento da invasão trofoblástica.

Nas duas ondas de invasão trofoblástica há degradação da camada muscular dos vasos para que ocorra uma dilatação suficiente para suprir as necessidades fetais gradativamente mais altas. Se o processo de aumento do calibre dos vasos não ocorre de maneira adequada, assim como ocorre na DHEG, a oxigenação das porções internas ficam deficientes e por isso essas estruturas tornam-se mais frágeis. Como há uma divisão estrutural entre a decídua parietal e a placenta esse será o local do descolamento.

Como a invasão trofoblástica se constitui num ponto em comum com o DPP e as condições hipertensivas da gestação, as síndromes hipertensivas da gestação serão os maiores fatores de associação. No estudo de Pritchard dentre 192 gestantes com DPP 89 eram hipertensas. Outros fatores de risco são a multiparidade, gestação múltipla, tabagismo, trauma, uso de cocaína ou trombofilias hereditárias.

A cesárea prévia também é associada como fator de risco porque a perfusão no local da cicatriz incisional uterina não há perfusão semelhante ao período anterior ao parto. Apesar disso, um estudo na clínica obstétrica do HC-FMUSP não confirmou esse achado. Quanto à ruptura prematura de placenta pode ser uma causa ou consequência. Sabe-se que com o descolamento há aumento de trombina tecidual, que leva ao aumento das proteases, enfraquecendo as membranas frente a pressão intrauterina.

Tombofilias estão associadas quando são múltiplas. Estão relacionadas as deficiências na Proteína C, S e antitrombina, além da elevação dos fatores de coagulação VII, VIII, IX e XI. Quanto mais componentes estiverem comprometidos, maiores serão as chances de rompimento dos vasos e o DPP. Desses componentes o mais associado é a antitrombina. Para o uso da cocaína, 10% das usuárias apresentam o DPP por conta da vasoconstrição dos vasos da interface placenta-decídua, assim como ocorre com o tabagismo.  Sobre esse último, mulheres com volume de consumo de cigarros diários entre 10 a19 possuem 40% mais chances de apresentar o DPP. Já o trauma, o único que pode ser causa isolada, pode levar ao descolamento num período de 24 horas após o evento desencadeante.





DIAGNÓSTICO

O diagnóstico será dado, na maioria das vezes, pela história e exame físico. Os sinais e sintomas clássicos são sangramento via vaginal, dor abdominal súbita e intensa, dor abdominal à palpação, taquisistolia e hipertonia. Se a paciente apresenta os sinais, só que mais intensos e sem sangramento, interpreta-se a evolução como sangramento oculto severo podendo ainda haver infiltração de sangue na serosa do útero e criando a condição denominada útero de Couvelaire, quando o útero encontra-se equimosado e sem contralidade. Pode-se encontrar ainda dificuldade da ausculta dos batimentos fetais, aumento progressivo da altura uterina e bolsa das águas tensa ao toque vaginal.

No exame geral pode-se encontrar a pressão arterial convergente, com diferença entre sistólica e diastólica no máximo de 20 mmHg. Na pele podem surgir sinais de coagulopatias (coagulação intravascular disseminada), tais como petéquias, equimoses ou hematomas. A gestante pode ir a óbito tanto pela coagulação disseminada, como também pela perda de volume sanguíneo.

Apresentações mais incomuns e mais brandas ocorrem com pequeno e interrupto sangramento e sem hipertonia. Nesses casos o descolamento é parcial e chamado de descolamento prematuro de placenta crônico, que apesar de mais brando, quando ocorrido no segundo trimestre provém um prognóstico ruim ao feto. Zugaib cita dois estudos onde de 15 gestações com essa condição, apenas dois fetos sobreviveram.

Em 10 a 20% dos casos as gestantes evoluem com coagulação intravascular disseminada, normalmente com o feto já morto. O evento relevante aqui é a queda da fibrina, ocorrida com a tentativa do organismo de conter o sangramento, enquanto a bolsa de sangue dilui a fibrina e fragiliza sua capacidade de tamponar os vasos abertos. Como a quantidade de fibrina dirigida ao útero é grande na medida em que vai se depositando, porções de fibrina ativadas também se soltam e podem ir parar em outros órgãos, por exemplo na íris, onde os vasos possuem pequeno calibre. Ocorre ainda que no processo de lesão tecidual o organismo libera tromboplastina, que termina por cair na corrente sanguínea materna e induz a coagulação dos seus capilares.

Quando o descolamento se sucede a um trauma normalmente a atividade uterina irá aumentar, exigindo um monitoramento fetal frequente por 24 horas, período em que o descolamento costuma ocorrer após o evento desencadeante. Caso até a sexta hora não houver perda de conteúdo uterino, aumento das contrações, dor a palpação e o padrão cardíaco fetal se mantiver entre 120 e 160, não haverá mais necessidade de avaliações. Alguns autores sugerem a tomografia computadorizada com contraste para definir o DPP na mulher com clínica sugestiva.

O uso da ultrassonografia é indicado apenas para os casos duvidosos, pois nos sangramentos agudos o hematoma tem ecogenicidade semelhante à placenta, dando a impressão de espessamento desta em vez do sangramento em si. Apenas após duas semanas o hematoma torna-se anecoico e de boa visualização pelo aparelho de ultrassom. Nesse período se o sangramento é pré-placentário não haverá repercussões clínicas, mas se for retroplacentário terá um índice de mortalidade fetal de 50%.


CONDUTA

1-                 Monitoramento materno constante com aferição da TA, frequência cardíaca e débito urinário, que deve estar no mínimo de 30 ml/h. Realiza-se os exames para pesquisa de coagulopatias, como tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), concentração de fibrinogênio, tempo de tromboplastina, dímero D. Além disso, também solicita-se o hemograma completo para avaliação de hematócrito e plaquetas. Se o fibrinogênio não puder ser dosado pode-se fazer uma coleta de sangue num tubo de ensaio que deverá ser submetido a movimentos verticais e horizontais suaves por 10 minutos. Se coágulos não se formarem em até cinco a dez minutos de teste tem-se sugestão de queda de plaquetas e fibrina.

2-                 Acesso venoso, sondagem vesical e oxigenoterapia.

3-                 Infusão de expansores de volume se existir sinais de choque hipovolêmico. Se os valores hemantimétricos estiverem baixos pode solicitar transfusão sanguínea, com o objetivo de manter o hematócrico acima de 30%.

4-                 Se feto viável acima de 26 semanas com sangramento incontrolável a conduta é realizar parto cesáreo. Se houver dilatação cervical, este estará ocorrendo por aumento da pressão amniótica, exigindo amniotomia e encaminhamento ao parto. Isso irá reduzir as chances da entrada de fibrina na corrente sanguínea e invasão de sangue na serosa com formação do útero de Couvelaire. Caso esta condição ocorrer há chance de necessidade de histerectomia para parar a hemorragia.

5-                 Se o feto for inviável a conduta segue as condições maternas. Se estiverem satisfatórias realiza-se a amniotomia e indução do parto com ocitocina. Se não, na presença de hipovolemia, anemia e hipoxemia, o parto cesáreo deve ser realizado.


REFERÊNCIAS

ZUGAIB, Marcelo. Obstetrícia. 2 ed. Barueri. Manole, 2012.


Desenvolvimento humano. Disponível em: http://www.ufrgs.br/livrodeembrio/ppts/5.desenvhumano.pdf

Bacellar A, Longo A. Descolamento prematuro de placenta. Projeto Diretrizes. Disponível em: http://www.bibliomed.com.br/diretrizes/pdf/descolamento_placenta.pdf. 

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

UMA "PRÉVIA" SOBRE PLACENTA PRÉVIA



Na forma de blastocisto, depois de adentrar na cavidade uterina o embrião passa em média 24 horas para se implantar no tecido endometrial. O local mais comum disso ocorrer é no corpo uterino. Isso ocorre porque depois do blastocisto se dividir em citotrofoblasto – células internas uninucleadas – e sinciciotrofoblato – células externas multinucleadas, esta última passa a exercer interações com o epitélio do endométrio. Essas ligações ocorrem com citocinas e integrinas na superfície endometrial e, por exemplo, receptores do fator inibidor de leucemia no sinciciotrofoblasto.

Como a invasão trofoblástica adentra no endométrio à procura de vasos sanguíneos para suprirem o feto, as porções do corpo e fundo uterino serão mais predispostas a uma gestação viável, em relação à áreas próximas ao colo.

A partir daí caso a placenta se insira ou a sua migração se restrinja entre o fundo e corpo uterino, denomina-se um placentação de inserção tópica. Fala-se posição e não apenas inserção porque a placenta sofre uma pseudo-migração na velocidade de 1,6 a 2,6 mm/semana resultante do crescimento assimétrico de suas porções inferiores e superiores. Quando a inserção ou migração até a 28ª semana de gestação se encontra nas porções inferiores tem-se a placentação de inserção heterotópica. Caso ocorra fora da cavidade uterina a chamada de ectópica. 


PLACENTA PRÉVIA

Placenta prévia se constitui no posicionamento placentário nas porções inferiores do útero após a 28ª semana. Pode ser entendido como a posição da placenta sobre o orifício cervical interno, cobrindo-o total ou parcialmente, ou estando a menos de 5 centímetros do orifício, condição denominada de placenta marginal.

Pode ser classificada como total, quando está bem centralizada sobre o orifício cervical, parcial quando recobre parcialmente a área do orifício, marginal quando a placenta está a menos de 05 centímetros do orifício, e placenta baixa ou lateral, que é quando está nos segmentos inferiores e sem contato com o orifício interno. Nesse último caso Zugaib afirma que a placenta costuma estar sobre o local onde é realizada a incisão da cesariana e caso haja placenta lateral na 20ª semana, não haverá placenta prévia ao termo.


FATORES DE RISCO

A incidência de placenta prévia é de 0,5 a 1% das gestações. Para a idade materna entre 20 e 29 anos as chance de ocorrência é de 0,03%, mas para idade acima de 40 anos as chances são de 0,25%. Em multíparas as chances podem atingir 5% e quando a gestação é múltipla as chances são 40% maior em relação à gestação de único feto. Fatores de risco são cesarianas prévias, tabagismo, uso de cocaína e residir em altas altitudes. No caso do tabagismo ocorre que como o fumo diminui o aporte sanguíneo para o feto e sendo essa uma das funções da placenta, tal estrutura tende a aumentar de tamanho como forma compensatória, e nessa hipertrofia há possibilidade da placenta alcançar o orifício interno cervical.


DIAGNÓSTICO

 Primeira forma de pesquisa é clínica. Os sinais e sintomas são sangramento vaginal se motivo aparente e indolor, geralmente a partir do fim do segundo trimestre. O aspecto do sangramento é vermelho-vivo. Esse sangramento costumar aumentar progressivamente, mas o útero continua indolor à palpação em todas as fases do problema. As contrações uterinas somente aumentam após o episódio de sangramento e o exame especular costuma demonstrar colo de aspecto inalterado, tampão mucoso sanguinolento e coágulos na cavidade vaginal. Apesar disso, quase 10% das mulheres são assintomáticas, principalmente aquelas de placentação marginal.

33% das gestantes apresentam sangramento antes da 30ª semana de gestação, constituindo um grupo de maior risco de prematuridade, mortalidade fetal e necessidade de transfusões sanguíneas.
Para fechar o diagnóstico é necessária a realização de ultrassonografia, sendo esta o padrão ouro. O tipo de USG realizada deve ser transvaginal, tendo vantagens em relação a abdominal por conta de: a abdominal necessita de enchimento da bexiga, que pode aproximar as paredes anteriores e posteriores da região próxima ao colo, podendo mimetizar a placenta prévia; a distância entre o transdutor e a área pesquisada é menor na transvaginal.

A ressonância nuclear magnética complementa os casos quando existem dúvidas na USG. Tem a vantagem de não sofrer a interferência do crânio fetal.

CONDUTA

Ao primeiro sinal de sangramento vaginal a mulher deve ser prontamente internada para monitoramento da mãe e feto. Deve realizar acesso calibroso para infusão de volume e manter o débito urinário ao menos de 30 ml/hora. Realiza-se a ultrassonografia para confirmação da posição placentária. Se o sangramento estiver mantido o hemograma deve ser solicitado a cada 4 horas para avaliação de hematócrito e hemoglobina.

A partir daí existem dois tipos de condutas: expectante e ativa. A expectante se baseia no parto normal e pode ser postergada por até quatro semanas pelo fato de 75% dos sangramentos serem autolimitados. Se a placenta é de inserção lateral ou marginal e o feto já esteja a termo, o parto normal pode ser esperado desde que haja monitorização. Caso as contrações estiverem frequentes deve-se lançar mão de tocólise porque o sangramento irrita a musculatura uterina que se contrai e aumenta o sangramento criando um círculo vicioso. Se o sangramento não parar ou seja notada a queda dos batimentos fetais o parto normal deve ser induzido. Caso o feto esteja entre 24 e 30 semanas deve ser prescrito corticoide para mãe a fim de acelerar o amadurecimento pulmonar fetal.

De qualquer forma se existe um diagnóstico ultrassonográfico de placenta prévia e a gestante não apresenta sangramento ela pode ficar em domicílio em repouso relativo, abstinência total sexual e de elevação de peso.


A conduta ativa é para sangramento intenso, vitalidade fetal comprometida, maturidade fetal comprovada, inserção total ou parcial ou idade gestacional acima de 37 semanas, pois quanto maior a idade maior o risco de sangramentos. Então se o feto alcançou 37 semanas na presença de placenta prévia centrototal ou centroparcial a cesária eletiva está indicada. Caso o feto esteja morto a cesariana também estará indicada.


REFERÊNCIAS

ZUGAIB, Marcelo. Obstetrícia. 2 ed. Barueri. Manole, 2012.

Desenvolvimento humano. Disponível em: http://www.ufrgs.br/livrodeembrio/ppts/5.desenvhumano.pdf

terça-feira, 4 de novembro de 2014

PRÉ ECLÂMPSIA? PORQUÊ?


ANTES DE TUDO É PRECISO ENTENDER A PRÉ-ECLÂMPSIA COMO O RESULTADO DE EVENTOS OCORRIDOS DURANTE A INVASÃO TROFOBLÁSTICA NO ENDOMÉTRIO. No momento da nidação o citotrofoblasto destrói a musculatura média das artérias espiraladas, que se refazem com um maior calibre e por isso permitindo uma maior passagem de sangue. Quando esse novo calibre das artérias é aquém do necessário para o correto aporte sanguíneo haverá uma tendência a perfusão ineficaz. Com isso para fazer a correção desse evento o coração exerce uma contração mais intensa na tentativa de aumentar a circulação materno placentária, porém termina por elevar os níveis tensionais maternos.

Tendo em vista esse fato primordial partimos de duas teorias para gênese do problema: uma diz respeito a incompatibilidade genética e outra sobre má adaptação imunológica. A má adaptação imunológica gira em torno das reações inflamatórias via MHC. Normalmente as reações inflamatória ocorridas no útero ocorrem com predomínio de linfócitos TCD8, ou tipo MHC 1. Quando o semêm entra em contato com a mulher o fator de crescimento beta 1 nele presente induz a mudança de perfil inflamatório para resposta com predomínio de linfócitos TCD4, ou tipo MHC 2. Caso essa mudança para resposta tipo não ocorra de maneira adequada a invasão citotrofoblástica não formará vasos de calibre ideais e daí tem a indução do aumento de tensão arterial.

Em mulheres nulíparas, casais de coabitação recente e gravidez sem que haja relações sexuais em número significativo, haverá a tendência pelo predomínio da resposta tipo 1(MHC de classe 1), causando a pré-eclâmpsia. Casais que realizam o sexo oral com frequência ou vindo de relação de longa data e coabitação prolongada tendem a induzir na mulher o predomínio da resposta tipo 2 (MHC de classe 2) favorecendo a normalização dos níveis tensionais.

A teoria da incompatibilidade genética necessita de uma pré-informação: os genes que sintetizam os HLA do feto advém do pai e os que originam os linfócitos NK são da mãe. Pois bem, dentro das reações inflamatórias os antígenos de superfície ou HLA que existem nas superfícies das células também devem estar compatíveis para a correta neovascularização placentária. Existem subtipos de HLA, e no organismo não gestacional predomina os HLA A, B e D, enquanto que no organismo gestacional predomina HLA C, G e E. Isso é necessário para que o organismo materno não reconheça o feto como um corpo estranho, ou non-self. Existem ainda subtipos dos linfócitos NK, por exemplo  AA, que quando unido ao HLA C daria origem a uma estimulação invasora pelo citotrofoblasto menos intensa do que deveria. Ou seja a combinação HLA C com NK AA inibe a invasão trofoblástica, sendo frequentemente encontrado em mulheres que desenvolvem pré-eclâmpsia.

A teoria da incompatibilidade genética aborda os seguintes fatores de risco: história familiar positiva (risco três vezes maior), pai nascido de uma gestação com pré-eclâmpsia (risco duas vezes maior) e presença do homem de risco, aquele em que formou um casal anterior que originou gestação com pré-eclâmpsia possui 80% de chances a mais de gerar mais um caso.

As informações acima concretizam a teoria da pré-eclâmpsia de origem trofoblástica, mas existe uma outra de origem materna, ocorrida na presença de doenças pré-existentes. Segundo Redman, Sacks e Sargent a invasão trofoblástica era na realidade um fator de risco de peso, mas causa direta seria reações inflamatórias exacerbadas, confirmadas por diversas pesquisas.  Quando comparam a quantidade de neutrófilos e monócitos em mulheres com pré-eclâmpsia foi identificada semelhança com paciente em sepse, e muito maior que mulheres sem pré-eclâmpsia ou não grávidas. Isso induziu à conclusão de que a pré-eclâmpsia uma reação inflamatória sistêmica, exacerbada e prolongada que de algum modo diminuiria o aporte sanguíneo útero placentário.

O apoio para a teoria da reação inflamatória seriam doenças pregressas que seriam de gatilho para a indução de apoptose do sinciciotrafoblasto, o que geraria liberaria fragmentos na circulação materna, o debris placentário. Eles seriam os responsáveis pela reação inflamatória materna extrema. Quanto mais debris, maior a reação inflamatória e com isso mais provável será o surgimento da pré-eclâmpsia, justificando a relação direta entre o tamanho da placenta e o surgimento de patologia. Gestantes diabéticas, gestações múltiplas e molares teriam um maior volume placentário, sofreriam apoptose com mais frequência, liberando mais debris e por isso maior tendo maior chance de pré-eclâmpsia.

Todas estas questões se referem a primeira fase da patologia, a pré-clínica. A outra fase, a clínica, constitui a pré-eclâmpsia manifestada com sinais e sintomas. Todas as terias citadas aqui sempre convergem em dois fatos: disfunção endotelial sistêmica e fatores antiangiogênicos. Quando a citotrofoblasto começa a adentrar no endométrio os linfócitos NK presentes nesse evento, junto com a própria placenta liberam dois fatores de crescimento: fator decrescimento do endotélio vascular (VEGF) e fator de crescimento placentário (PLGF), que se ligam aos receptores flt-1 nos vasos para exercerem seus efeitos. Um dos efeitos adicionais da ligação entre o VEGF e o flt-1 é a liberação de óxido nítrico e prostaciclinas para diminuírem o tônus vascular útero placentário, além de aumentar a regeneração endotelial.

Pois bem, existem fatores antiagiogênicos na corrente sanguínea que estão aumentados nas mulheres que desenvolvem pré-eclâmpsia. Trata-se o sflt-1 – o “s” é de solúvel – e seu efeito seria de ligação aos VEGF e PLGF, porém sem exercer os efeitos angiogênicos. Um outro receptor antiagiogênico com ação semelhante ao sflt-1 é a endoglina solúvel (sEnd). Caso uma mulher apresente quantidades aumentadas dos dois receptores antiagiogênicos simultaneamente o risco de desenvolver pré-eclâmpsia é 30 vezes maior. Dois fatos que corroboram o envolvimento do VEGF e flt-1 foram a elevação de pressão arterial em pacientes que fizeram uso de inibidores de flt-1 para tratamento para câncer, e inibição do sflt-1 pela nicotina e menor prevalência de pré-eclâmpsia em mulheres fumantes.


CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

Os critérios para a classificação de pré-eclâmpsia são tensão arterial acima de 140 X 90 mmHg. O aumento de 30 mmHg na pressão sistólica e de 15 mmHg na diastólica já foram critérios também, mas atualmente apenas servem como fatores de risco.

O segundo critério é proteinúria estando acima de 300 mg na urina de 24 horas ou uma cruz no sumário de urina em duas amostras seguidas ou duas cruzes em única amostra. Pode-se ainda realizar a proporção proteína/creatinina urinária, que estando acima de 0,19 se associam fortemente a proteinúria acima de 300 mg/24 horas. É importante saber que a proteinúria não é um preditor da pré-eclâmpsia, pois ela apenas ocorre com a distensão do filtro renal ocorrido com o aumento da pressão. Ou seja, proteinúria surge apenas a patologia já está instalada. Outro cuidado que se deve ter é quando a proteinúria ocorreu antes da gestação, podendo tornar a diferenciação impossível. Para isso deve-se solicitar proteína de 24 horas seriada, pois a elevação de um grama ou mais é sinal de consequência da pré-eclâmpsia. Outros dados como hiperuricemia, elevação das transaminases hepáticas, trombocitopenia reforçam a suspeita. Já o edema não é mais critério para pré-eclâmpsia a menos que a gestante esteja em estado de anasarca, mas ainda assim não é mandatório para o diagnóstico.

Caso não haja proteinúria o diagnóstico também pode ser considerado caso a gestante curse com TA acima de 140X90 mmHg e cefaleia, borramento de visão ou dor abdominal, ou ainda por alteração de valores laboratoriais tais como plaquetopenia e aumento de enzimas hepáticas.

Existem diversas classificações para hipertensão gestacional: 1- hipertensão arterial crônica: é a hipertensão diagnosticada pela primeira vez após a 20° semana de gravidez e que se mantém além da 12ª semana após o parto; 2- pré-eclâmpsia é quando o aumento da tensão arterial é encontrado pela primeira vez após a 20ª semana de gestação, acompanhada de proteinúria, sem história de hipertensão pregressa; 3- hipertensão sobreposta é a hipertensão diagnosticada antes da 20ª semana de gestação com proteinúria na segunda metade desse período; 4- hipertensão gestacional é quando o aumento ocorreu após a 20ª semana, mas as manifestações param por ai.

Existem duas formas de pré-eclâmpsia: leve e grave. A forma leve ocorre antes do alcance dos critérios de gravidade que ainda serão definidos. Até lá, quando a gestante exibe o aumento de um quilo por semana ou três quilos por mês já serve como sinal de alerta para a evolução para gravidade. Os critérios para a forma grave são: TA acima de 160X110 mmHg, proteinúria de 2 g em urina de 24 horas; creatinina séria acima de 1,2 mg/dl, sintomas de eclampsia iminente (torpor, cefaleia intensa, distúrbios de visão, dor epigástrica ou no QSD causada por hisquemia hepática ou distensão da cápsula de Glisson, e reflexos tendinosos exacerbados), aumento de AST e ALT, plaquetopenia e anemia hemolítica. 

Em 10 a 20% das gestantes com pré-eclâmpsia grave ou 1 a cada 1.000 gestações ocorre a síndrome HELLP, um epônimo para hemólise, elevação de enzimas hepáticas e plaquetopenia. Nessa crise o desenvolvimento placentário anormal libera fatores que induzem injúria endotelial e ativação de plaquetas com liberação de vasoconstrictores. Quando a lesão alcança o fígado a ativação e agregação das plaquetas induz a sua gasto excessivo, além de obstrução de vasos com isquemia de hepatócitos.

Os achados laboratoriais ainda incluem: aumento de bilirrubina indireta, haptaglobina baixa, DHL (desidrogenase lática) aumentada e queda de hemoglobina. Já os sintomas incluem: dor no episgastro ou QSD (80% dos casos), aumento excessivo do peso, piora de edema, náuseas e vômitos, cefaleia, alterações visuais e icterícia.

Outra complicação da pré-eclâmpsia é a eclampsia, caracterizada como convulsões tônico clônicas em geral de duração entre 60 e 75 segundos, ocorrendo em 25% dos casos de pré-eclâmpsia grave. O motivo para essas manifestações é um espasmo focal também a nível cerebral causado infarto transitório, assim como encefalopatia hipertensiva.


TRATAMENTO

O tratamento medicamentoso deve ser iniciado quando a pressão alcançar os níveis de pré-eclâmpsia grave. A pressão sistólica aparentemente é um melhor preditor de risco cardiovascular que a diastólica. O objetivo do tratamento da hipertensão é manter a TA sistólica entre 140 a 155 mmHg e a disastólica entre 90 e 100 Hg para não comprometer a circulação fetal. O tratamento tem duas classificações: agudo e crônico: no agudo o anti-hipertensivo de primeira escolha é a hidralazina na dose de 05 mg IV repetida em 15 a 20 minutos até que se atinja a meta. A dose máxima a ser infundida é de 30 mg no dia, quando deve-se passar para outras medicações caso não se atinja a meta. O início da ação é de 5 a 10 minutos e dura de 3 a 6 horas. Outra opção é o bloqueador dos canais de cálcio nifedipino na dose de 10 mg  sublingual  cada 30 minutos. Esse medicamento tem boa resposta, mas confere mudanças bruscas de Tensão arterial. O início do efeito ocorre em 10 a 20 minutos e dura por 4 a 5 horas.

O tratamento crônico deve começar com alfa-metildopa na dose de 250 mg 12/12 horas via oral até no máximo 4 gramas no dia. Outra opção é a hidralazina 20 mg via oral 12/12 horas até no máximo 300 mg no dia. A terceira opção é um bloqueador dos canais alfa e beta, o labetolol 100 mg 2 x ao dia até no máximo 2.400 mg no dia. Inibidores da ECA são totalmente contra indicados por causar eventos danosos no feto, tais como a oligodramnia, anomalias renais, hipoplasia pulmonar, retardo mental e morte. Os diuréticos devem ser evitado no geral, pois a diminuição da volemia também diminui o aporte sanguíneo transplacentário.

Nos casos de eclâmpsia existem dois esquemas principais: o de Pritchard e de Zuspan, mas para ambos na convulsão ou iminência desta o medicamento de primeira escolha é o sulfato de magnésio a 50%. Pelo esquema de Zuspan a dose de ataque é de por via endovenosa 8 ml ou 4g (01 ampola contém 10ml ou 5g) diluído em 12 ml de água destilada para infusão por 10 a 20 minutos. A dose de manutenção é de uma ampola diluída em 490 ml de solução fisiológica e infusão dessa  solução da velocidade de  100 ml por hora até 24 horas após o parto.

Pelo esquema de Pritchard pode ser utilizado quando não se dispõe de bomba de infusão. Faz-se a mesma infusão de 4g IV diluída como dose de ataque associada a 10 ml ou 5g IM, metade da ampola em cada nádega. A dose de manutenção é de 5g IM a cada 4 horas.

O índice terapêutico do sulfato de magnésio é pequeno, sendo de 4 a 7 mEq/L ou 4.8 a 8.4 mg/dl. Então a infusão deve ser seguida dos seguintes cuidados: garantir diurese mínima de 100 ml nas últimas quatro horas; verificar intoxicação, que é manifestada com a diminuição do reflexo profundo Patelar, por exemplo, e incursões respiratórias de menos de 16 inc/min. No esquema Zuspan essa verificação deve ocorrer de hora em hora, e no esquema Pritchard é antes da administração de cada dose. Se observado os sinais de intoxicação deve-se infundir gluconato de cálcio a 10% com infusão lenta.

Já o tratamento definitivo somente ocorre com o parto, que é por via cesariana somente para gestações abaixo de 30 semanas. Para se escolher o momento de induzir o parto é necessária a comprovação de sofrimento fetal. Um dos exames ideais para isso é a dopplerfuxometria, que mede o estado de impulsão sanguínea nos vasos pesquisados. Por exemplo, com a hipóxia sempre ocorre o fenômeno da centralização. Como os órgãos nobres são favorecidos nesse processo, a circulação da artéria cerebral média estará mais intensa que a artéria umbilical, ficando a relação umbilical/cerebral média menor que 01, o que justifica indução de parto imediata.  Esse exame também indica o fluxo diastólico e o utiliza como eleição para indução imediata para o parto. Caso o fluxo diastólico da artéria umbilical estiver reverso o parto deve ser imediatamente induzido. Caso o fluxo diastólico estiver ausente realiza-se a medida da relação do fluxo das artérias umbilical/cerebral. Se estiver maior que 1 deve-se reavaliar diariamente. Caso esteja menor que 01 a indução do parto deve ser imediata.


REFERÊNCIAS

FEITOSA, Francisco Edson de Lucena; Sampaio, Zuleika Studart. Diretrizes assistenciais: pré-eclâmpsia. Maternidade Escola Assis Chateaubriand. Disponível em: http://www.almir.almondegas.net/manuais/meac/o/preecl.pdf. 

Corrêa Júnior, Mário Dias; Aguiar, Regina Amélia Lopes Pessoa de; Corrêa, Mário Dias. Fisiopatologia da pré-eclâmpsia: aspectos atuais.  FEMINA. v. 37, n. 3. Maio. 2009. (DESTAQUE)

Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Manual de Gestação de Alto Risco. 2011. Disponível em: http://febrasgo.luancomunicacao.net/wp-content/uploads/2013/05/gestacao_alto-risco_30-08.pdf. 


SOUZA ET AL, Alex Sandro Rolland de. Pré-eclâmpsia. FEMINA. v. 34, n. 7. Junho. 2006.