DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA
A teníase é uma parasitose causada
por helmintos da classe Cestoda, e desses, os que mais infectam o homem são os
da família taenia, especificamente a Taenia solium e Taenia saginata. Esses
parasitas se encontram no intestino humano na forma adulta e nos tecidos
diversos na forma larvária, tendo como hospedeiros intermediários
respectivamente o suíno e o bovino. Essas duas entidades são responsáveis pela
teníase propriamente dita e a cisticercose, popularmente chamada de
Canjiquinha. Em 1767 Malphigi identificou o agente da cisticercose, em 1786
Werner identificou pela primeira vez que os agentes que infectavam os animais e
o homem eram os mesmos. Em 1885 Kuchenmeister provou que o cisticerco – o
agente da cisticercose – originava a taenia adulta.
Essa patologia acomete 50 milhões
de pessoas no mundo, 400.000 se apresentam sintomáticos e destes 50.000 evoluem
para o óbito todos os anos, gerando um custo anual de três a quatro milhões de
dólares.
O PARASITA
Tanto a taenia solium quanto a
saginata possuem a mesma divisão: escólex,
uma pequena dilatação que serve para fixação do cestódeo na mucosa intestinal.
Há quatro ventosas para as duas espécies, mas apenas na solium há o rostelo
entre as ventosas e uma dupla fila de acúleos em número de 25 a 50; o colo é a zona de crescimento do
parasita, podendo ser reconhecido por ser a porção mais delgada; o estróbilo é o que resta, sendo dividido
em proglotes, as porções fracionadas
do corpo do parasita, podendo prover um comprimento de três metros à Taenia
solium e oito metros à Taenia saginata.
As proglotes se dividem em jovens,
maduras e grávidas, cada uma evoluindo independentemente das demais,
tendo seus próprios órgãos, inclusive os genitais e com produção própria de
ovos. Quanto mais distantes do escólex estão as proglotes, mais evoluídas em
relação à forma grávida estarão. Quanto mais jovem a proglote, mais tende a ser
maior em largura e menor em comprimento, e quando mais distante do escólex mais
desenvolvida e comprida, e menos larga estará. A proglote grávida da T. solium,
no entanto, é quadrangular e em seu útero guarda em torno de 80 mil ovos,
enquanto que a Taenia saginata guarda em torno de 160 mil. Felizmente apenas
50% desses ovos são férteis.
As proglotes da Taenia solium se destacam sempre e número de três a seis, enquanto que na Taenia saginata esse destaque, também chamado de apólise, ocorre individualmente. Eles possuem uma membrana plasmática através da qual se faz todas as trocas de nutrientes, além de um tecido muscular contrátil que expulsa os ovos quando estão no ambiente externo. Revestindo a membrana há o glicocálix, uma junção de glicoproteínas e mucopolissacarídeos, que detém a função de proteger o parasita contra as enzimas do sistema digestório do hospedeiro.
Não se deve confundir os ovos com
os cisticercos. Os primeiros são liberados das proglotes e são revestidos de quintina,
que lhes provém resistência. O cisticerco está dentro dos tecidos, é constituído
de uma vesícula com líquido claro dentro, com um escólex em seu interior e este
com quatro ventosas, rostelo e colo. O cisticerco na realidade é a larva da T.
solium que dentro dos tecidos passa pelos seguintes estágios de amadurecimento
até sua degeneração:
·
vesicular – possui membrana
vesicular transparente e o líquido em seu interior é incolor e alcalino, e o
escólex está normal. Pode estagnar por tempo indefinido nessa fase devido ao
escape da ção do sistema imune, ou até degenerar;
·
coloidal – quando o líquido fica
turvo e o escólex começa a ser degenerado;
· granular – a membrana externa se
espessa, há deposição de cálcio e o parasita não é mais viável, já apresentando
sinais de calcificação;
·
granular calcificado – o cisticerco
diminui de tamanho e é totalmente calcificado.
Como dito antes a forma adulta
das duas taenias são encontradas no intestino humano. Já o cisticerco da Taenia
solium pode ser encontrado no tecido subcutâneo, muscular, cerebral, no olho de
suínos e acidentalmente em humanos e cães. É necessário que haja a infecção de
mais de um hospedeiro para que se complete o ciclo biológico das taenias,
podendo envolver diversas formas de contaminação como destacado adiante.
CICLO BIOLÓGICO
Dentro do intestino do animal
infectado as taenias sofrem apólise, que é o desprendimento das proglotes, de
três a seis para a T. solium e 1 para a T. saginata. Normalmente os ovos são
liberados apenas quando as proglotes chegam ao meio externo, mas ocasionalmente
durante a apólise essas estruturas podem se lesionar durante a separação, com
isso liberando os ovos para o meio intestinal. Quando as proglotes alcançam o
meio externo dois eventos deflagram a soltura dos ovos: primeiro o tecido
muscular dessas estruturas se contrae; segundo, decomposição de suas
estruturas, determinando uma fragilidade que permite à contração muscular
expulsar os ovos. Daí, se munidos de luminosidade e luz solar eles irão
sobreviver por meses até que um suíno ou bovino os ingira.
A parte externa do ovo é chamada
de embriósforo
e possui uma estrutura a base de quintina que se desfaz quando entra
em contato com a pepsina no estômago do hospedeiro após sua ingestão. O parasita
propriamente dito fica no interior do ovo e é chamado de oncosfera. Este é ativado
quando entra em contato com os sais biliares, e a partir daí migra para as
vilosidades, onde se fixa e penetra através de uma estrutura chamada de acúleo. Depois de penetrarem nas
vilosidades as oncosferas se mantém ali por cerca de quatro dias até se
adaptarem às condições particulares do hospedeiro, até que alcançam veias e
linfáticos e adentram na corrente sanguínea. Percorrendo os vasos eles podem
alcançar qualquer local do corpo, sendo bloqueados por conta do pequeno calibre
das vênulas, local onde se fixam e da mesma forma que adentraram pelas
vilosidades, eles adentram nos tecidos. Daí se transformam numa vesícula que
contém o escólex, o colo e um estróbilo rudimentar imersos num líquido opaco,
constituindo assim um cisto, ou por assim dizer, o cisticerco.
Os locais de melhor adaptação
das oncosferas são os tecidos de melhor oxigenação, tais como os músculos
e cérebro, mas ainda podem ser encontrados no fígado, rins, mamas, ovários,
pâncreas, baço, pulmões, pleuras e tireóide. Nos músculos as oncosferas
sobrevivem por meses, mas se forem provenientes da T. solium e se instalados no
tecido cerebral, eles vão sobreviver por até 10 anos. Dentro dos tecidos as
oncosferas perdem os acúleos e se transformam em cisticercos ao fim de quatro a
cinco meses. Caso o homem ingira carne crua ou mal cozida de animais que
passaram pelas fases citadas ele irá se infectar. Com frequência o cisticerco
se deposita no sistema nervoso central (SNC), principalmente no encéfalo. Também
pode ser encontrado no olho, logo abaixo da retina, e quando instalado nesse
local, os parasitas podem atém ser observados.
Dentro do intestino do homem o
cisticerco se evagina e dá origem ao escólex e evolui para a forma adulta em
poucos meses, com soltura de proglotes no já terceiro mês, vivendo por três
anos no caso da T. saginata e por dez no caso da T. solium.
Quando o hospedeiro definitivo, o
homem, evolui com teníase, ele se infectou via ingesta de carnes contaminadas. Já em relação à contaminação com os vos os possíveis mecanismos são: priminfecção ou infecção pelo próprio indivíduo,
ocorrendo através das mãos contaminadas pelos ovos da taenia que se encontra no
próprio intestino do indivíduo, ou pode ocorrer por coprofagia, ao qual
pacientes psiquiátricos são suscetíveis; ingesta de água e alimentos
contaminados; vômitos ou por movimentos retroperistálticos, pois podem levar a
uma ascensão dos ovos que estavam no intestino para o estômago e assim iniciar
outro mecanismo através da ativação pela pepsina, como descrito antes.
FIGURAS 03 E 05: Ciclos biológicos das taenias.
ENVOLVIMENTO DO SISTEMA IMUNOLÓGICO
Primeiramente há um aumento de
linfócitos T e B, mas na realidade o aumento dos linfócitos T é restrito aos T
CD8+, mediados via sinalização pelo Th1, que se agregam aos parasitas para
facilitar a identificação como no-self. O aumento dos eosinófilos ocorre tanto
no sangue, quanto no LCR, se elevam também os níveis de interleucina 2 e
interferon gama, além da elevação das imunoglobulinas IgM, E, A e D no soro de
indivíduos com neurocisticercose (NCC). Nesse
último caso há predominância de IgM específico para cisticercos.
Mesmo diante da presença de diversos
eventos inflamatórios, o cisticerco ainda é capaz de driblar os mecanismos de
defesa, pois as oncosferas induzem a resposta inflamatória, mas o tempo
necessário para que esta se torne eficaz é o mesmo necessário para que a
oncosfera passe para a forma vesicular, que detém a capacidade de escape
humoral. Isso se dá através da ação da paramiosina, inibidora da molécula do
complemento C1q, da ação da taenistatina ao inibir as vias clássicas e
alternativas do sistema de complemento, e dos polissacarídeos sulfatados que
possuem a capacidade de desviar a atenção do sistema imune, indo ativá-lo em
outros locais longe do parasita.
O cisticerco em si não produz
grandes consequências. O problema é a reação inflamatória reincidente na fase
granular, e normalmente apenas quando o cisticerco se encontra no olho e no SNC,
o qual apresenta um destino de 79 a 96% de todos os cisticercos. Em se
tratando de olho, o parasito se desloca pelos vasos da coronóide, se instala na
retina e daí perfura até atingir o humor vítreo, deixando-o opaco, causando
ainda uveíte, sinéquias posteriores da íris, pantoftalmia e até desorganização
do olho com consequente perda necessidade de retirada do órgão.
No SNC são produzidos sintomas basicamente
por conta da compressão nervosa, obstrução do fluxo de LCR e consequente
aumento da pressão intracraniana, e pelo processo inflamatório consequente à
presença do cisticerco no tecido, que ocorre predominantemente a partir da sua degeneração.
Os sintomas deste último processo são encefalite focal, edema, vasculite, ruptura
de membrana hematoencefálica, que se traduzem na seguinte clínica: crises epilépticas,
síndrome da hipertensão intracraniana, cefaleia, meningite, distúrbios
psíquicos e mais raramente síndrome medular.
Quando os cisticercos se
localizam nos ventrículos eles elevam a gravidade, pois o índice de mortalidade
da hidrocefalia
consequente a este evento é de 50%, enquanto que no geral a mortalidade
da neurocisticercose varia de 16,4 a 25,9%.
Outros sintomas incluem dores abdominais, dores de cabeça, perda de
peso, alterações de apetite, enjoos, perturbações nervosas, irritação, fadiga e
insônia.
DIAGNÓSTICO
Pode ser realizado pela pesquisa
de anticorpos no sangue periférico e LCR, e exames de imagem. A tomografia e a
pesquisa no LCR são considerados os melhores métodos para identificar a
neurocisticercose, no entanto, quando os cisticercos estão nos ventrículos, a
ressonância nuclear magnética é mais sensível, porém não demonstra
microcalcificações. O parasitológico de fezes possibilita a identificação dos
ovos das duas taenias.
A forma ativa da
neurocisticercose apresenta positividade para “IgG, IgM, IgA e IgE para
taeníase”. A sensibilidade varia entre 88,5% e 93,2%. O raio-x somente mostra
imagens de cisticercos calcificados.
TRATAMENTO
Para as crises epilépticas pode
ser utilizado a fenitoína, porém tendo o cuidado de ajustar a dose
individualmente e se atentar para as interações medicamentosas, que são muitas,
principalmente para outros indutores de enzimas hepáticas como o paracetamol. A
dose inicial é de 100 mg três vezes ao dia, devendo esperar sete dias para que
se consiga alcançar os efeitos desejados da medicação.
A carbamazepina é prescrita na
dose de 100 a 200 mg 1 a 2 vezes ao dia, aumentando a dose lentamente conforme
necessidade até se alcançar 400 mg 2 a 3 vezes ao dia. Em crianças a dose é de
10 a 20 mg/kg ao dia. Abaixo de 1 ano a dose é de 100 a 200 mg em dose única,
de 1 a 5 anos pode-se prescrever de 200 a 400 mg em duas tomadas, de 6 a 10
anos prescreve-se de 400 a 600 mg por dia em duas a três tomadas.
O tratamento antiparasitário vem
substituindo a cirurgia de retirada dos cistos e é feita por meio de
praziquantel e albendazol, dos quais o albendazol é o tratamento de primeira
escolha. Para a teníase utiliza-se o albendazol na dose de 15mg/Kg/dia por oito
dias. Geralmente o comprimido do albendazol é vendido na dose de 400 mg, um
comprimido por caixa. Para a neurocisticercose em pacientes com mais de 60 Kg
usa-se 400 mg via oral duas vezes ao dia junto com refeições por 8 a 30 dias. Pacientes
com menos de 60 Kg usa-se 15 mg/Kg com dose máxima de 800 mg ao dia.
O Praziquantel pode ser utilizado
assim como o albendazol, porém, este tem seu efeito diminuído quando utilizado
juntamente com indutores enzimáticos do complexo citocromo P450. Então utilizá-lo
junto com a carbamazepina ou a fenitoína irá diminuir sua eficácia. A dose é de
5 a 10 mg/Kg de peso corporal em dose única. Não há restrições para seu uso em
idosos, porém, em caso de mulheres lactantes, a amamentação somente deve
ocorrer 72 horas após o uso da medicação. O Cestox é um exemplo de medicamento
à base de praziquantel, com o comprimido em dose de 150 mg.
O tratamento da neurocisticercose
é mais complicado. Deve-se dar 60mg/Kg/dia três vezes ao dia por 14 dias,
juntamente com prednisona ou prednisolona para apaziguar a reação inflamatória,
que é o verdadeiro agente agressor. O comprimido da prednisona pode vir na dose
de 5 e 20 mg, devendo fazer uso de no máximo 60 mg diários, ou seja 20 mg 8/8
horas. A prednisolona tem várias apresentações, mas nesse caso pode-se fazer a
escolha pela solução 1 mg/ml, com dose máxima semelhante à prednisona, 60
mg/dia, tomadas juntamente com o praziquantel.
Existe ainda outra situação em
que o paciente cursa com cisticercose e teníase concomitantemente. Nesse caso é
ideal que a teníase seja tratada antes da cisticercose, de preferência com a
niclosamida. Exemplo desse medicamento é a atenase, que é apresentado em
comprimidos mastigáveis na dose de 500mg. A prescrição deve especificar que o
paciente deve fazer uso da medicação em jejum pela manhã, e que no jantar da
noite anterior o paciente deve ingerir apenas alimentos líquidos. Nos adultos
e crianças acima de oito anos a dose é 2.000 mg ingeridas em duas tomadas com
espaço de uma hora. Após o intervalo de uma hora após os dois últimos comprimidos
deve-se fazer uso de um purgativo salino. Crianças de dois a oito anos a dose
deve ser diminuída pela metade, sendo duas tomadas de 500 mg. Os comprimidos
devem ser bem mastigados e engolidos com um pouco de água. Menores de dois anos
a dose é meio comprimido, duas doses, também com intervalo de uma hora.
REFERÊNCIAS
NEVES, David Pereira. Parasitologia Humana. 11 ed. São Paulo: Atheneu, 2004.
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São
Paulo: Rocca, 2011.
SPINA-FRANÇA, A. Imunologia da
cisticercose: avaliação dos aspectos atuais. Arquivos de neuropsiquiatria. v. 27. n. 2. São Paulo, 1969. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/anp/v27n2/07.pdf. Acessado em 09 de julho de 2013.
(DESTAQUE)
BARBOSA, Alverne Passos; COSTA-CRUZ, Júlia Maria; SILVA, Simone Almeida e; CAMPOS, Dulcinéa Maria Barbosa. Cisticercose: fatores relacinados à interação parasito-hospedeiro, diagnóstico e soroprevalência. Ravista de Patologia Tropical. v. 29. n. 1. p: 17-34. Jan/jun, 2000. (DESTAQUE)
Praziquantel. Bula: disponível http://www.medicinanet.com.br/conteudos/biblioteca/2772/praziquantel.htm. Acessado em 09 de julho de 2013.
BARBOSA, Alverne Passos; COSTA-CRUZ, Júlia Maria; SILVA, Simone Almeida e; CAMPOS, Dulcinéa Maria Barbosa. Cisticercose: fatores relacinados à interação parasito-hospedeiro, diagnóstico e soroprevalência. Ravista de Patologia Tropical. v. 29. n. 1. p: 17-34. Jan/jun, 2000. (DESTAQUE)
Praziquantel. Bula: disponível http://www.medicinanet.com.br/conteudos/biblioteca/2772/praziquantel.htm. Acessado em 09 de julho de 2013.
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Acessado em 09 de julho de 2013.
A, Manfroi; AT, Stein; ED, Castro filho. Abordagem das parasitoses
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Diretrizes. Sociedade Brasileira de Medicina e Medicina. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/8volume/01-abordagem.pdf.
Acessado em 09 de julho de 2013.
4 comentários:
muito bom
Em minhas pesquisas por que não existem no mercado o medicamento para tênia, Praziquantel e Atenase (niclosamida), já que as mesma tem mostrado sua eficiência contra a Teníase? Desde já meu muito obrigado pelas informações, parabéns pela exposição clara e objetiva.
Sim. Por que? E ai dono do blog, nao vai contestar??
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