terça-feira, 9 de julho de 2013

O COMPLEXO TENÍASE/CISTICERCOSE

DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA

A teníase é uma parasitose causada por helmintos da classe Cestoda, e desses, os que mais infectam o homem são os da família taenia, especificamente a Taenia solium e Taenia saginata. Esses parasitas se encontram no intestino humano na forma adulta e nos tecidos diversos na forma larvária, tendo como hospedeiros intermediários respectivamente o suíno e o bovino. Essas duas entidades são responsáveis pela teníase propriamente dita e a cisticercose, popularmente chamada de Canjiquinha. Em 1767 Malphigi identificou o agente da cisticercose, em 1786 Werner identificou pela primeira vez que os agentes que infectavam os animais e o homem eram os mesmos. Em 1885 Kuchenmeister provou que o cisticerco – o agente da cisticercose – originava a taenia adulta.

Essa patologia acomete 50 milhões de pessoas no mundo, 400.000 se apresentam sintomáticos e destes 50.000 evoluem para o óbito todos os anos, gerando um custo anual de três a quatro milhões de dólares.


O PARASITA

Tanto a taenia solium quanto a saginata possuem a mesma divisão: escólex, uma pequena dilatação que serve para fixação do cestódeo na mucosa intestinal. Há quatro ventosas para as duas espécies, mas apenas na solium há o rostelo entre as ventosas e uma dupla fila de acúleos em número de 25 a 50; o colo é a zona de crescimento do parasita, podendo ser reconhecido por ser a porção mais delgada; o estróbilo é o que resta, sendo dividido em proglotes, as porções fracionadas do corpo do parasita, podendo prover um comprimento de três metros à Taenia solium e oito metros à Taenia saginata.

As proglotes se dividem em jovens, maduras e grávidas, cada uma evoluindo independentemente das demais, tendo seus próprios órgãos, inclusive os genitais e com produção própria de ovos. Quanto mais distantes do escólex estão as proglotes, mais evoluídas em relação à forma grávida estarão. Quanto mais jovem a proglote, mais tende a ser maior em largura e menor em comprimento, e quando mais distante do escólex mais desenvolvida e comprida, e menos larga estará. A proglote grávida da T. solium, no entanto, é quadrangular e em seu útero guarda em torno de 80 mil ovos, enquanto que a Taenia saginata guarda em torno de 160 mil. Felizmente apenas 50% desses ovos são férteis.

                                                                              FIGURA 01: T. solium


As proglotes da Taenia solium se destacam sempre e número de três a seis, enquanto que na Taenia saginata esse destaque, também chamado de apólise, ocorre individualmente. Eles possuem uma membrana plasmática através da qual se faz todas as trocas de nutrientes, além de um tecido muscular contrátil que expulsa os ovos quando estão no ambiente externo. Revestindo a membrana há o glicocálix, uma junção de glicoproteínas e mucopolissacarídeos, que detém a função de proteger o parasita contra as enzimas do sistema digestório do hospedeiro.

Não se deve confundir os ovos com os cisticercos. Os primeiros são liberados das proglotes e são revestidos de quintina, que lhes provém resistência. O cisticerco está dentro dos tecidos, é constituído de uma vesícula com líquido claro dentro, com um escólex em seu interior e este com quatro ventosas, rostelo e colo. O cisticerco na realidade é a larva da T. solium que dentro dos tecidos passa pelos seguintes estágios de amadurecimento até sua degeneração:

·         vesicular – possui membrana vesicular transparente e o líquido em seu interior é incolor e alcalino, e o escólex está normal. Pode estagnar por tempo indefinido nessa fase devido ao escape da ção do sistema imune, ou até degenerar;
·         coloidal – quando o líquido fica turvo e o escólex começa a ser degenerado;
·      granular – a membrana externa se espessa, há deposição de cálcio e o parasita não é mais viável, já apresentando sinais de calcificação;
·         granular calcificado – o cisticerco diminui de tamanho e é totalmente calcificado.

Como dito antes a forma adulta das duas taenias são encontradas no intestino humano. Já o cisticerco da Taenia solium pode ser encontrado no tecido subcutâneo, muscular, cerebral, no olho de suínos e acidentalmente em humanos e cães. É necessário que haja a infecção de mais de um hospedeiro para que se complete o ciclo biológico das taenias, podendo envolver diversas formas de contaminação como destacado adiante.


CICLO BIOLÓGICO



Dentro do intestino do animal infectado as taenias sofrem apólise, que é o desprendimento das proglotes, de três a seis para a T. solium e 1 para a T. saginata. Normalmente os ovos são liberados apenas quando as proglotes chegam ao meio externo, mas ocasionalmente durante a apólise essas estruturas podem se lesionar durante a separação, com isso liberando os ovos para o meio intestinal. Quando as proglotes alcançam o meio externo dois eventos deflagram a soltura dos ovos: primeiro o tecido muscular dessas estruturas se contrae; segundo, decomposição de suas estruturas, determinando uma fragilidade que permite à contração muscular expulsar os ovos. Daí, se munidos de luminosidade e luz solar eles irão sobreviver por meses até que um suíno ou bovino os ingira.


FIGURA 02: Taenia spp.


A parte externa do ovo é chamada de embriósforo e possui uma estrutura a base de quintina que se desfaz quando entra em contato com a pepsina no estômago do hospedeiro após sua ingestão. O parasita propriamente dito fica no interior do ovo e é chamado de oncosfera. Este é ativado quando entra em contato com os sais biliares, e a partir daí migra para as vilosidades, onde se fixa e penetra através de uma estrutura chamada de acúleo. Depois de penetrarem nas vilosidades as oncosferas se mantém ali por cerca de quatro dias até se adaptarem às condições particulares do hospedeiro, até que alcançam veias e linfáticos e adentram na corrente sanguínea. Percorrendo os vasos eles podem alcançar qualquer local do corpo, sendo bloqueados por conta do pequeno calibre das vênulas, local onde se fixam e da mesma forma que adentraram pelas vilosidades, eles adentram nos tecidos. Daí se transformam numa vesícula que contém o escólex, o colo e um estróbilo rudimentar imersos num líquido opaco, constituindo assim um cisto, ou por assim dizer, o cisticerco.

Os locais de melhor adaptação das oncosferas são os tecidos de melhor oxigenação, tais como os músculos e cérebro, mas ainda podem ser encontrados no fígado, rins, mamas, ovários, pâncreas, baço, pulmões, pleuras e tireóide. Nos músculos as oncosferas sobrevivem por meses, mas se forem provenientes da T. solium e se instalados no tecido cerebral, eles vão sobreviver por até 10 anos. Dentro dos tecidos as oncosferas perdem os acúleos e se transformam em cisticercos ao fim de quatro a cinco meses. Caso o homem ingira carne crua ou mal cozida de animais que passaram pelas fases citadas ele irá se infectar. Com frequência o cisticerco se deposita no sistema nervoso central (SNC), principalmente no encéfalo. Também pode ser encontrado no olho, logo abaixo da retina, e quando instalado nesse local, os parasitas podem atém ser observados.

Dentro do intestino do homem o cisticerco se evagina e dá origem ao escólex e evolui para a forma adulta em poucos meses, com soltura de proglotes no já terceiro mês, vivendo por três anos no caso da T. saginata e por dez no caso da T. solium.

Quando o hospedeiro definitivo, o homem, evolui com teníase, ele se infectou via ingesta de carnes contaminadas. Já em relação à contaminação com os vos os possíveis mecanismos são: priminfecção ou infecção pelo próprio indivíduo, ocorrendo através das mãos contaminadas pelos ovos da taenia que se encontra no próprio intestino do indivíduo, ou pode ocorrer por coprofagia, ao qual pacientes psiquiátricos são suscetíveis; ingesta de água e alimentos contaminados; vômitos ou por movimentos retroperistálticos, pois podem levar a uma ascensão dos ovos que estavam no intestino para o estômago e assim iniciar outro mecanismo através da ativação pela pepsina, como descrito antes.






FIGURAS 03 E 05: Ciclos biológicos das taenias.

ENVOLVIMENTO DO SISTEMA IMUNOLÓGICO

Primeiramente há um aumento de linfócitos T e B, mas na realidade o aumento dos linfócitos T é restrito aos T CD8+, mediados via sinalização pelo Th1, que se agregam aos parasitas para facilitar a identificação como no-self. O aumento dos eosinófilos ocorre tanto no sangue, quanto no LCR, se elevam também os níveis de interleucina 2 e interferon gama, além da elevação das imunoglobulinas IgM, E, A e D no soro de indivíduos com neurocisticercose (NCC).  Nesse último caso há predominância de IgM específico para cisticercos.


                                                                                  FIGURA 05: Ovos da Taenia spp.


Mesmo diante da presença de diversos eventos inflamatórios, o cisticerco ainda é capaz de driblar os mecanismos de defesa, pois as oncosferas induzem a resposta inflamatória, mas o tempo necessário para que esta se torne eficaz é o mesmo necessário para que a oncosfera passe para a forma vesicular, que detém a capacidade de escape humoral. Isso se dá através da ação da paramiosina, inibidora da molécula do complemento C1q, da ação da taenistatina ao inibir as vias clássicas e alternativas do sistema de complemento, e dos polissacarídeos sulfatados que possuem a capacidade de desviar a atenção do sistema imune, indo ativá-lo em outros locais longe do parasita.

O cisticerco em si não produz grandes consequências. O problema é a reação inflamatória reincidente na fase granular, e normalmente apenas quando o cisticerco se encontra no olho e no SNC, o qual apresenta um destino de 79 a 96% de todos os cisticercos. Em se tratando de olho, o parasito se desloca pelos vasos da coronóide, se instala na retina e daí perfura até atingir o humor vítreo, deixando-o opaco, causando ainda uveíte, sinéquias posteriores da íris, pantoftalmia e até desorganização do olho com consequente perda necessidade de retirada do órgão.

No SNC são produzidos sintomas basicamente por conta da compressão nervosa, obstrução do fluxo de LCR e consequente aumento da pressão intracraniana, e pelo processo inflamatório consequente à presença do cisticerco no tecido, que ocorre predominantemente a partir da sua degeneração. Os sintomas deste último processo são encefalite focal, edema, vasculite, ruptura de membrana hematoencefálica, que se traduzem na seguinte clínica: crises epilépticas, síndrome da hipertensão intracraniana, cefaleia, meningite, distúrbios psíquicos e mais raramente síndrome medular.

Quando os cisticercos se localizam nos ventrículos eles elevam a gravidade, pois o índice de mortalidade da hidrocefalia consequente a este evento é de 50%, enquanto que no geral a mortalidade da neurocisticercose varia de 16,4 a 25,9%.  Outros sintomas incluem dores abdominais, dores de cabeça, perda de peso, alterações de apetite, enjoos, perturbações nervosas, irritação, fadiga e insônia.


DIAGNÓSTICO

Pode ser realizado pela pesquisa de anticorpos no sangue periférico e LCR, e exames de imagem. A tomografia e a pesquisa no LCR são considerados os melhores métodos para identificar a neurocisticercose, no entanto, quando os cisticercos estão nos ventrículos, a ressonância nuclear magnética é mais sensível, porém não demonstra microcalcificações. O parasitológico de fezes possibilita a identificação dos ovos das duas taenias.

A forma ativa da neurocisticercose apresenta positividade para “IgG, IgM, IgA e IgE para taeníase”. A sensibilidade varia entre 88,5% e 93,2%. O raio-x somente mostra imagens de cisticercos calcificados.


TRATAMENTO

Para as crises epilépticas pode ser utilizado a fenitoína, porém tendo o cuidado de ajustar a dose individualmente e se atentar para as interações medicamentosas, que são muitas, principalmente para outros indutores de enzimas hepáticas como o paracetamol. A dose inicial é de 100 mg três vezes ao dia, devendo esperar sete dias para que se consiga alcançar os efeitos desejados da medicação.

A carbamazepina é prescrita na dose de 100 a 200 mg 1 a 2 vezes ao dia, aumentando a dose lentamente conforme necessidade até se alcançar 400 mg 2 a 3 vezes ao dia. Em crianças a dose é de 10 a 20 mg/kg ao dia. Abaixo de 1 ano a dose é de 100 a 200 mg em dose única, de 1 a 5 anos pode-se prescrever de 200 a 400 mg em duas tomadas, de 6 a 10 anos prescreve-se de 400 a 600 mg por dia em duas a três tomadas.

O tratamento antiparasitário vem substituindo a cirurgia de retirada dos cistos e é feita por meio de praziquantel e albendazol, dos quais o albendazol é o tratamento de primeira escolha. Para a teníase utiliza-se o albendazol na dose de 15mg/Kg/dia por oito dias. Geralmente o comprimido do albendazol é vendido na dose de 400 mg, um comprimido por caixa. Para a neurocisticercose em pacientes com mais de 60 Kg usa-se 400 mg via oral duas vezes ao dia junto com refeições por 8 a 30 dias. Pacientes com menos de 60 Kg usa-se 15 mg/Kg com dose máxima de 800 mg ao dia.

O Praziquantel pode ser utilizado assim como o albendazol, porém, este tem seu efeito diminuído quando utilizado juntamente com indutores enzimáticos do complexo citocromo P450. Então utilizá-lo junto com a carbamazepina ou a fenitoína irá diminuir sua eficácia. A dose é de 5 a 10 mg/Kg de peso corporal em dose única. Não há restrições para seu uso em idosos, porém, em caso de mulheres lactantes, a amamentação somente deve ocorrer 72 horas após o uso da medicação. O Cestox é um exemplo de medicamento à base de praziquantel, com o comprimido em dose de 150 mg.

O tratamento da neurocisticercose é mais complicado. Deve-se dar 60mg/Kg/dia três vezes ao dia por 14 dias, juntamente com prednisona ou prednisolona para apaziguar a reação inflamatória, que é o verdadeiro agente agressor. O comprimido da prednisona pode vir na dose de 5 e 20 mg, devendo fazer uso de no máximo 60 mg diários, ou seja 20 mg 8/8 horas. A prednisolona tem várias apresentações, mas nesse caso pode-se fazer a escolha pela solução 1 mg/ml, com dose máxima semelhante à prednisona, 60 mg/dia, tomadas juntamente com o praziquantel.

Existe ainda outra situação em que o paciente cursa com cisticercose e teníase concomitantemente. Nesse caso é ideal que a teníase seja tratada antes da cisticercose, de preferência com a niclosamida. Exemplo desse medicamento é a atenase, que é apresentado em comprimidos mastigáveis na dose de 500mg. A prescrição deve especificar que o paciente deve fazer uso da medicação em jejum pela manhã, e que no jantar da noite anterior o paciente deve ingerir apenas alimentos líquidos. Nos adultos e crianças acima de oito anos a dose é 2.000 mg ingeridas em duas tomadas com espaço de uma hora. Após o intervalo de uma hora após os dois últimos comprimidos deve-se fazer uso de um purgativo salino. Crianças de dois a oito anos a dose deve ser diminuída pela metade, sendo duas tomadas de 500 mg. Os comprimidos devem ser bem mastigados e engolidos com um pouco de água. Menores de dois anos a dose é meio comprimido, duas doses, também com intervalo de uma hora.


REFERÊNCIAS

NEVES, David Pereira. Parasitologia Humana. 11 ed. São Paulo: Atheneu, 2004.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.

SPINA-FRANÇA, A. Imunologia da cisticercose: avaliação dos aspectos atuais. Arquivos de neuropsiquiatria. v. 27. n. 2. São Paulo, 1969. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/anp/v27n2/07.pdf. Acessado em 09 de julho de 2013. (DESTAQUE)

BARBOSA, Alverne Passos; COSTA-CRUZ, Júlia Maria; SILVA, Simone Almeida e; CAMPOS, Dulcinéa Maria Barbosa.  Cisticercose: fatores relacinados à interação parasito-hospedeiro, diagnóstico e soroprevalência. Ravista de Patologia Tropical. v. 29. n. 1. p: 17-34. Jan/jun, 2000. (DESTAQUE)

Praziquantel. Bula: disponível http://www.medicinanet.com.br/conteudos/biblioteca/2772/praziquantel.htm. Acessado em 09 de julho de 2013.

Albendazol. Bula. Disponível em: http://www.saredrogarias.com.br/medicamentos-genericos/albendazol-400mg-c1-medley. Acessado em 09 de julho de 2013.

A, Manfroi; AT, Stein; ED, Castro filho. Abordagem das parasitoses intestinais mais prevalentes na infância. Projeto Diretrizes. Sociedade Brasileira de Medicina e Medicina. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/8volume/01-abordagem.pdf. Acessado em 09 de julho de 2013.

Atenase. Bula: disponível em: http://www.bulas.med.br/bula/10926/atenase.htm. Acessado em 09 de julho de 2013.

4 comentários:

Anônimo disse...

muito bom

Moisés Felix disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Moisés Felix disse...

Em minhas pesquisas por que não existem no mercado o medicamento para tênia, Praziquantel e Atenase (niclosamida), já que as mesma tem mostrado sua eficiência contra a Teníase? Desde já meu muito obrigado pelas informações, parabéns pela exposição clara e objetiva.

Unknown disse...

Sim. Por que? E ai dono do blog, nao vai contestar??