sábado, 15 de junho de 2013

DEPRESSÃO: PESO BIOLÓGICO, QUADRO CLÍNICO E TRATAMENTO


DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

É um transtorno que se caracteriza por alteração do humor em direção ao polo depressivo, afetando outras funções mentais com distintos quadros. Na população geral a prevalência é de 3%, dentre aqueles que procuram os serviços de saúde a prevalência é de 10% e de 20% para aqueles portadores de doenças crônicas. Ocorre também o dobro nas mulheres em relação aos homens, com média de idade entre 20 e 50 anos. Ocorre predominantemente em pessoas que não possuem relações íntimas interpessoais. 80% das pessoas com transtornos depressivos maiores não são tratadas ou tratadas por não-psiquiatras. Dos tratados em geral, 30 a 45% não apresentam resposta satisfatória no tratamento inicial e 15% se mostram resistentes ou refratários ao tratamento farmacológico. 30 a 50% nunca se recuperam totalmente com o tratamento. Estima-se também que 2 a 3% da população geral têm suas atividades diárias seriamente prejudicadas por distúrbios de humor.


ETIOLOGIA

Diversos autores afirmam que a etiologia da depressão não está bem esclarecida, mas em estudos anatômicos, ao menos, foram bem definidos diversas modificações. Modificações na área frontal e estriato, que modulam o sistema límbico, vão estar diretamente envolvidas nas modificações de humor. Em idosos foi identificado um a diminuição do fluxo sanguíneo e uma queda no metabolismo do córtex pré-frontal de pacientes depressivos uni e bi-polares. Ainda que a diminuição do volume cerebral esteja ligado à senescência, a queda do metabolismo não está, ainda mais pelo fato dessa queda ser flutuante a depender do estado do paciente. Haverá também modificações na substância branca subcortical, predominantemente na área periventricular, gânglios da base e tálamo. Essas alterações também foram mais referenciadas em idosos.

Mesmo havendo uma redução do metabolismo, esta alcançando toda porção anterior do cérebro, também haverá aumento do metabolismo da glicose, principalmente em regiões límbicas, tais como a amígdala. É como se o órgão estivesse hiperativo, por isso esse aumento acarretaria em amplificação do significado dos eventos estressores de menor grau. Também foram identificadas modificações específicas para pacientes com concomitância entre depressão e psicose: atrofia do diencéfalo, alterações no sistema reticular ativador ascendente e atrofia frontotemporal esquerda.

Todas essas modificações deixam praticamente irrefutável o peso genético e a tendência individual de evolução da depressão, levando em conta, certamente, que a deflagração dos quadros necessita de uma interação entre a vulnerabilidade do indivíduo e fatores ambientais.

Um outro achado interessante que se relaciona com os níveis de estresse é a hipersecreção de glicocorticoides – os chamados hormônios do estresse, pois sua secreção aumenta quando o indivíduo se encontra em situação de perigo ou apreensão. Essa maior secreção faz com que o glutamato, o principal neurotransmissor excitatório cerebral, passe a quebrar a homeostase das concentrações de cálcio, inibir o transporte de glicose e aumentar a produção de radical hidroxila, matando células mais sensíveis do hipocampo e de regiões especialmente ativas no córtex, que por ter maior demanda de equilíbrio, irá ser mais sensível a tais modificações.

As hipóteses envolvendo distúrbios nas atividades de neurotransmissão são consideradas as mais aceitas na relação de influências no desencadeamento da depressão. As monoaminas, que são o substrato para a produção de neurotransmissores, estão em maior concentração no tronco cerebral em pequenos núcleos que se espalham pelo córtex e sistema límbico, para regular as atividades psicomotoras, apetite, sono e provavelmente humor. Como os principais neurotransmissores envolvidos com essas porções do cérebro são a serotonina, a noreprinefrina e a dopamina, são justamente esses que estarão envolvidos na gênese da depressão. Schildrat (1965) e Bunney e Davis (1965) propunham que a depressão estava associada ao déficit de catecolaminas, principalmente a noradrenalina.  

Essa hipótese das monoaminas não possui total aceitação devido ao fato de que, apesar do uso de medicamentos que regularizem de imediato a secreção dessas, os fármacos só produzem efeitos em média depois de quinze dias em uso. Por isso, o foco das pesquisas com intensão da gênese da depressão migrou para os receptores dos neurotransmissores. Esse direcionamento de pesquisas levou a algumas descobertas como: 1-a queda de monoaminas leva ao aumento do número de receptores – up-regulation; 2- estudos em cérebros de suicidas revelou um maior número de receptores de serotonina no córtex frontal; 3- os neurotransmissores possuem mais de um tipo de receptor, e dentre os subtipos de um mesmo neurotransmissor, a estimulação pode gerar diversos efeitos, até mesmo opostos entre si, como no caso do 5-HT1A e 5-HT2.

Com essas três informações, levantou-se a hipótese da sensibilização dos receptores, que demorando diversos dias para alcançar o equilíbrio desejado, impediria que os medicamentos tivessem um pronto efeito no início da administração.

Como citados anteriormente, a serotonina, dopamina e a norepinefrina estão relacionados com a modulação do humor – já que são ativos no sistema límbico, córtex pré-frontal e hipotálamo. A redução de serotonina e noradrenalina na fenda sináptica, por exemplo, estariam relacionadas com sintomas de ansiedade, impulsividade e queda de energia. A queda da dopamina se relaciona com distúrbios da volição – capacidade de tomada de decisões, ou pode ser entendido também como força de vontade. Tais quedas ocorrem na depressão, e como dito antes, o corpo acompanha essa modificação com a up-regulation, mas tal alteração, juntamente com modificação da sensibilidade dos receptores, é ineficaz para corrigir os distúrbios que se seguem.

Estudos ainda em curso relacionam a presença de fatores estressantes com a estimulação de eventos inflamatórios e ativação de citocinas que comandarão alterações neuroquímicas associadas à depressão. O grau de atividade da inflamação e o grau de modificação ocorrida após sua ativação são caminhos para definir a predisposição genética aos fatores ambientais.

A associação entre depressão e distúrbios cardiovasculares também está definida, havendo três possíveis vertentes: a depressão pode ser desencadeada pelo estresse causado pela noção de ser portador de doença cardíaca; pode acarretar disfunções cardíacas através da queda do limiar de arritmias, através de diminuição da função vagal e estimulação simpática. Essas modificações estão associadas com arritmias ventriculares e morte súbita, pois há uma menor capacidade de variação da frequência cardíaca e elevação da frequência cardíaca de repouso; por último pode haver uma predisposição genética que comande a ocorrência simultânea das duas patologias.


QUADRO CLÍNICO

Classificação: transtorno depressivo maior: pode ser um evento único ou recorrente ao longo da vida. Observa-se anedonia, desinteresse por atividades antes prazerosas, aumento dos sintomas nas primeiras horas do dia, insônia no fim da noite, agitação ou prostração acentuados, anorexia ou culpa excessiva. Por vezes pode haver aumento de apetite e sonolência excessiva, bem como ansiedade. Quando a ansiedade é nítida, corre-se o risco de instituir tratamento com ansiolítico ao invés de antidepressivos, o que não traz boa resposta.

Transtorno depressivo menor: seguem os mesmo padrões anteriormente abordados, porém em menor intensidade. Em relação aos idosos, 25% com este tipo de depressão evoluem para o tipo maior.

Transtorno depressivo recorrente breve: são os mesmo sintomas do transtorno maior, porém com recorrência a cada duas semanas.

Transtorno distímico: caracteriza-se por humor depressivo por no mínimo dois anos, geralmente com início já na infância e de curso crônico. Crianças e adolescentes costumam referir irritabilidade e tristeza constante. Dois dos seguintes sintomas ocorrem ao mesmo tempo: apetite diminuído ou hiperfagia, insônia ou hipersônia.

Depressão psicótica: ocorre mais em idosos, tendo um costume de recaídas, podendo ocorrer delírios paranoides e persecutórios. Nesses casos a história de depressão familiar é positiva. As alterações do humor são importantes, o que faz esta patologia ser outrora denominada pseudodemência, hoje cunhada como síndrome demencial da depressão. Esses pacientes correm perigo de evoluírem para síndromes demenciais, como o Alzheimer.

Humor deprimido é o sinal chave. Sensação de tristeza, tendência ao choro, desinteresse por atividades que antes eram prazerosas, desleixo com atividades rotineiras como o trabalho por conta de sensação de fadiga ou fraqueza muscular são sinais clássicos da depressão. Pensamento lento e déficit de atenção acompanham os distúrbios do sono, podendo ocorrer insônia ou hipersônia. Pode haver prostração ou momentos de inquietação, pensamentos de baixa estima, como menos-valia, seguidas de ideias suicidas. Em casos graves há a presença de alucinações e delírios niilistas. Por conta disso, é imperante a investigação de ideação suicida sempre que se suspeite de depressão, pois em 70% dos casos de suicídio, os indivíduos passaram por consulta médica no mês antecedente. Estudos indicam ainda que 20% dos idosos que cometem suicídio falaram com seu médico no dia do ato.

Quando a depressão ocorre após os 65 anos, chama-se de depressão de início tardio ou late-life depression, estando mais relacionados com patologias demenciais, geralmente não diagnosticadas no início dos sintomas depressivos. Geralmente não há história de depressão na família, podendo haver casos de demência, com o paciente apresentando grande distúrbio da cognição e auditivo. As modificações anatômicas residem no alargamento do ventrículo e maior perda de substância branca em relação a pacientes mais jovens.

A depressão tem uma prevalência de 15% na população idosa. Os sintomas sensações de culpa, falta de prazer, inutilidade e niilismo são características da depressão nessa faixa etária. Diferente de qualquer outra faixa etária, a depressão nesse casos está ligada a doenças degenerativas e cerebrovasculares, além da ser causa também pelo uso de medicações como a seguir: metronidazol, isoniazida, hidralazina, metildopa, propranolol, nifedipino,  cimetidina, ranitidina, metoclopramida, além do álcool.


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Depressão X transtorno bipolar: no transtorno bipolar ocorre alternância entre sintomas eufóricos (maníacos) e depressivos (hipomaníacos). Muitas vezes a modificação de sintomas ocorre em questão de horas. No estado maníaco, diferenciador da depressão, o paciente fica eufórico ou irritável, alegria exagerada sem motivação correspondente, agressividade e intolerância a limites ou frustrações. A auto-estima está elevada, pensamentos otimistas e comportamentos audaciosos conduzem a perigos de saúde e perdas financeiras. Ocorre sensação de energia revigorada, maior agilidade de raciocínio e menor necessidade de sono. A atenção fica prejudicada, com o indivíduo se perdendo dentre diversos assuntos abordados ao mesmo tempo. Há queda da inibição com aumento das atividades sexuais, prejuízo do discernimento com declarações inoportunas com humor individual, podendo até revelar segredos outrora confiados.


TRATAMENTO

A primeira linha de escolha para o tratamento são os inibidores da receptação da serotonina (ISRS). Eles apresentam, no geral, melhor resposta, menores efeitos colaterais e maior tolerância com o uso prolongado. Os ISRS estão também mais associados a menores taxas de abandono do tratamento, porém, assim como qualquer outro medicamento utilizado para fins de tratamento da depressão, os efeitos só começam a surgir, em média, 2 a 4 semanas após o início do uso.

Primeiramente é necessário que com o início do tratamento sejam realizadas entrevistas semanais com o paciente por ao menos 4 a 6 semanas, a fim de acompanhar a evolução e estar atento a possíveis necessidades de modificação da dose e/ou medicação.

Um agravante aos pacientes que cursam com a anergia característica da depressão é o repouso prolongado. No idoso essa situação predispões a diversas complicações, como pneumonias, já que pela diminuição da movimentação pulmonar levará a um acúmulo de secreções. A atividade físca evitaria esse tipo de complicação, além de trazer outros benefícios de ordem neurológica. Blumenthal et al. (1999), comprovou a importância da atividade física ao realizar a seguinte experiência: dividiu três grupos de pacientes com sintomas depressivos sem gravidade semelhante, um com o uso de ISRS, outro com prática de atividade física regular e outro com as duas vertentes terapêuticas. Foi comprovado as mesmas respostas terapêuticas positivas para os três grupos, com a diferença de que no grupo em uso de medicamentos a resposta era mais rápida. Isso conclui que a atividade física é uma alternativa terapêutica não-farmacológica eficaz.

A última linha de tratamento é a eletroconvulsoterapia, atualmente reservada a pacientes com depressão maior não responsiva ao tratamento medicamentoso. Nesses pacientes foi concluída uma taxa de eficácia em torno de 50%, ou 80 a 90% de todos os pacientes que cursam com depressão em seus vários subtipos. No entanto, essa estratégia é reservada devido à necessidade de anestesia, efeitos colaterais e estigma social.

ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS

AMITRIPTILINA

É apresentada em comprimidos com 25 mg. Se administra incialmente uma dose via oral de 75 mg/dia em duas tomadas ou em uso único pela noite. A dose máxima para tratamento da depressão é de 150 mg. O tratamento pode também ser iniciado com uma dose de 50 a 100 mg, adicionando 25 mg até a dose de 150 mg/dia. Caso o paciente esteja hospitalizado por depressão grave, pode-se utilizar até a dose máxima de 300 mg/dia. Os pacientes idosos possuem menor tolerância, com dose eficaz em torno de 30 a 75 mg/dia, geralmente à noite.

ALPRAZOLAM

Dentre os antidepressivos tricíclicos uma escolha razoável é o alprazolam. Ele é administrado via oral, em dose de 0,25 a 0,5 mg por três vezes ao dia, sendo absorvido pela mucosa estomacal e alcançando concentração sérica máxima de uma a duas horas após a administração. Sua meia vida é de 11 a 15 horas, com uma ligação a proteínas plasmáticas em torno de 70 a 80%. Ele é metabolizado no fígado, a alfa-hidroxialprazolam, que também possui os mesmos efeitos, porém mais brandos.  É lentamente metabolizada, contudo sua excreção pela urina é eficaz. Uma de suas aplicações menos usuais, mas que apresentam boas repostas é no tratamento da síndrome pré-menstrual, embora nesses casos ele só deva ser utilizado na fase lútea, quando a liberação de progesterona tende a incitar maiores efeitos psicológicos.

Seu uso em pacientes com insuficiência hepática e renal deve ser conduzido com cuidado. Em grávidas esse cuidado nunca deve ser esquecido, pois esse medicamento possui a capacidade de atravessar a placenta e até ser excretado no leite materno. Nos estudos envolvendo o alprazolam não foram observados efeitos teratogênicos, mesmo quando em ratos se infundiu dose 150 vezes maior que a diária humana.

INIBIDORES SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO DA SEROTONINA (ISRS)

FLUOXETINA

O medicamento dessa classe disponibilizado pelo SUS é a fluoxetina. Possui menor sedação em relação aos antidepressivos tricíclicos. Os efeitos adversos são secura de boca, vômitos, dispepsia e diarreia. Tem-se descrito prurido, erupções cutâneas, angioedema e anafilaxia. Pode causar hiponatremia, talvez por conta da maior secreção de vasopressina. Esse efeito, no entanto, está reservado aos pacientes idosos. Foi levantado que a fluoxetina pode induzir a ideias suicidas no início por conta da actasia, agitação e pânico, o que demanda vigilância inicial semanal. Propanolol, se utilizado em concomitância pode reduzir esses efeitos.

O tratamento habitual com fluoxetina é de 20 mg/dia via oral, com alguns autores recomendando a utilização pela manhã. Se passadas as quatro semanas sem nenhuma resposta, a dose deve ser incrementada, porém, não ultrapassando 80 mg/dia.  Pode ser administrado em duas doses ou dose única.  Se o paciente está estabilizado e requer tratamento prolongado, pode-se administrar a dose de 90 mg em dose única na semana.


ATENÇÃO: qualquer tratamento com antidepressivos pode trazer um risco inicial de suicídio. Isso ocorre porque a ideação suicida estaria suprimida por lentificação ou apatia motora. Com o uso dos medicamentos e a melhora desses sintomas, a iniciativa suicida suprimida pela anergia pode ser despertada.

ATENÇÃO: o tratamento deve ser realizado em duas fases. Depois de iniciado o uso dos antidepressivos e alcançado um efeito apreciável, a dose deve ser mantida por quatro a seis meses ou até mais, quando deve ser realizado o desmame gradual até a suspensão total do medicamento. Ao tempo desse desmame a vigilância deve ser constante por parte do médico, outros profissionais de saúde e familiares. Caso ocorra dois episódios depressivos em cinco anos, deve ser considerada a possibilidade de dose preventiva.


REFERÊNCIAS

Andrade, Rosângela Vieira; SILVA, Aderbal Ferreira da; MOREIRA, Frederico Neiva; SANTOS, Helisbetânia Paulo Souza; DANTAS, Heloíza Ferreira; ALMEIDA, Iramiz Ferreira de;  LOBO, Leandra de Paula Brito; NASCIMENTO, Miriam Argolo. Atuação dos neurotransmissores na depressão. Disponível em: http://www.saudeemmovimento.com.br/revista/artigos/cienciasfarmaceuticas/v1n1a6.pdf, acessado em 12 de junho de 2013 às 22:15; (DESTAQUE)

ALVEZ, Tania Correa de Toledo Ferraz. Depressão: bases biológicas e neuroanatomia. Encontrado em: http://desvende.webmeeting.com.br/aulasDownload/modulo01.pdf, acessado em 12 de junho de 2013 às 20:35;

WANNMAHER, Lenita. Depressão maior: da descoberta à solução. Ministério da Saúde. v.1 n. 5. Brasília, 2004;

ROZENTHAL, Marcia; LAKS, Jerson; ENGELHARDT, ELIASZ. Aspéctos neuropsicológicos da depressão. Revista de Psiquiatria. V. 26. N. 2. P. 204-212. Mai/ago, 2004;

  A, Fleck MP; B, Lafer; E, Sougey E; A, Del Porto J; A, Brasil M; F, jurema M. Diagnóstico e tratamento da depressão. In: Projeto Diretrizes, 2001;

MEDEIROS, Joana Matos Lima. Depressão no idoso. Faculdade de Medicina Faculdade do Porto. Abril, 2010;

STELLA, FLORINDO; GOBBI, Sebastião; CORAZZA, Danilla Icassatti; COSTA, José Luiz Raini. Depressão no idoso: diagnóstico, tratamento e benefícios da atividade física. III Congresso Internacional de Educação Física e Motricidade/IX Simpósio Paulista de educação Física. V.8 n.3. p. 91-98. Ago/dez. Rio Branco, 2002; (DESTAQUE)

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.



domingo, 9 de junho de 2013

RECONHECENDO O DELIRIUM

DELIRIUM

É uma síndrome mental de início abrupto, ou ao menos de fácil identificação, flutuante, transitória, marcada por transtorno global da cognição, redução do nível de consciência, ciclo vigílio-sono perturbado, distúrbios de atenção e atividade psicomotora aumentada ou diminuída. Dados indicam uma prevalência entre todos os pacientes internados de 10 a 15%, chegando a 20% se a população considerada for idosa. No entanto, esse é um dado variável nos diversos estudos. Pessoa e Nácul afirmam que pode o delirium pode ocorrer em 80% dos pacientes internados em unidade de cuidados críticos, com apenas 32 a 66% dos pacientes sendo corretamente diagnosticados. Geralmente são precipitados por eventos de grande estresse, tais como cirúrgias de grande porte, quando o idoso irá ficar muito tempo internado, infecções e uso de drogas. Mais fatores predisponentes incluem gravidade da doença de base, déficit visual e auditivo, alta relação BUN-creatinina – relação entre nitrogênio ureico do sangue e creatinina, marcador de desidratação. Sobre essa relação convém esperar que nos casos do homem a quantidade de creatinina deverá ser maior que em mulheres devido à maior massa muscular. Por isso o mesmo valor de BUN nessa relação, estando maior que a creatinina, é mais grave quando se trata do homem.

Relacionam-se ainda como fatores de risco a restrição física, idade maior que 65 anos, sexo masculino, desnutrição, uso de mais de três medicações no dia anterior, doenças crônicas em geral, uso de cateter urinário, privação do sono, mudanças de ambiente e qualquer evento iatrogênico. Por fim, os fatores mais evidentes são o uso de medicamentos, que se relacionam com 40% dos casos de delirium, e a demência, pois essa aumenta as chances de deflagração em 2 a 5 vezes.

Tomando nota do declínio das reservas fisiológicas do idoso consequente à diminuição da massa cerebral em 5% e da queda da circulação cerebral em torno de 28%, perda neuronal no neocórtex e hipocampo, além do declínio geral das capacidades fisiológicas, essa população será intimamente exposta ao delirium. As concentrações e capacidade de liberação de neurotransmissores, tais como o ácido gama aminobutírico (GABA), acetilcolina, serotonina e dopamina, vão estar alteradas e por isso a capacidade do cérebro de se recuperar de transtornos causados por fármacos e seus metabólitos estará deprimida.

O principal mecanismo de deflagração do delirium envolve a acetilcolina, sistema particularmente exposto à deficiência de oxigênio e glicose. Geralmente a relação é com a queda dos níveis desse neurotransmissor, sendo indicada pela boa resposta ao uso de drogas colinérgicas. A idade e modificações nos receptores muscarínicos predispõem pessoas idosas a este tipo de patologia. O medicamento de grande aceitação nesses casos é a fisostigmina.

O efeito anticolinérgico pode aumentar na presença de alguns fármacos e de metabólitos de fármacos. Drogas tipicamente anticolinérgicas são: furosemida, cimetidina e digitálicos, e deve ser considerada sua redução ou retirada na presença do delirium. Classes de medicamentos que sabidamente inibem pré-sinápticamente a liberação da acetilcolina são os opiáceos, os beta-adrenérgicos, os barbitúricos e os dopaminérgicos. É importante também saber que, paradoxalmente, drogas de função primordial anticolinérgica não estão estatisticamente ligadas à maior incidência de delirium.

Presença de febre diminui de maneira sustentada a liberação de acetilcolina. Estudos em pacientes internados em casas de repouso identificou que um mês após a ocorrência da febre, os níveis do neurotransmissor ainda estavam aquém do nível base, independente do uso de qualquer medicação. Hipoglicemia também diminui a síntese de acetilcolina no córtex e estriatum.

A serotonina, neurotransmissor envolvido no sono, vigilância e cognição, também está evolvida na ocorrência de delirium. O aumento do metabólito da serotonina, o ácido 5-hidroxindolacético (5-HIAA) foi encontrado em LCRs de pacientes que cursaram com delirium. A síndrome serotoninérgica decorrente da ativação excessiva desse neurotransmissor produz inquietação, tremor, confusão e diaforese. É muito comum que ela ocorra secundária a interações medicamentosas, muitas envolvendo a fluoxetina – inibidor da receptação da serotonina, L-dopa e inibidores da mono-aminoxidase.

Ainda há os casos em que a queda dos níveis de serotonina também deflagram a ocorrência de delirium, geralmente ocorrendo na queda dos níveis de tripotofano, que é um precursor desse neurotransmissor, necessário para que exista serotonina na área cerebral, já que esse passa pela barreira hematoencefálica somente na forma de triptofano. Uma das formas da depleção ocorrer é porque os sítios de entrada pela barreira do triptofano, da fenilalanina, da isoleucina, leucina e metionina são os mesmos, estando todos em competição pelos mesmos sítios de entrada. Por conta disso quando a concentração de um aumenta, por equilíbrio entre dois espaços ele vai passar em maior quantidade pela barreira hematoencefálica e como consequência algum outro vai passar menos. Ou seja, a quantidade de triptofano equilibra a passagem desse para o sistema nervoso central e como consequência mantém a homeostase do nível de serotonina.

A fenilalanina também tem importante papel no delirium e por isso quando a concentração de triptofano cai, a de fenilalanina aumenta e precipita o delirium. Já dentro do sistema nervoso, os metabólitos da fenilalanina, em maior número, também competem por descarboxilações para sintetizar neurotransmissores, o que agrava a problemática da baixa de serotonina.

A dopamina também causa o delirium. Inibidores dopaminérgicos, como o haloperidol melhoram os sintomas de delirium. Na encefalopatia hepática, substâncias semelhantes aos benzodiazepínicos aumentam a função dos receptores GABA e acabam precipitando o delirium. Quinolonas, principalmente se utilizados juntamente com AINES, induzem ao mesmo efeito dos receptores GABA, assim como as síndromes de abstinência. Outras situações estressantes, como hipóxia, acidose e isquemia transitória determinam o aumento de epinefrina e norepinefrina, sendo encontrados geralmente nos casos de delirium tremens.

Citocinas também afetam os neurotransmissores acetilcolina, GABA, noradrenalina e serotonina. Dentre as citocinas, a mais bem evidenciada é a IL-2. Num estudo citado por Santos, numa pesquisa em pacientes recebendo terapias com IL-2, 30% apresentaram delirium (ROSEMBERG et al, 1982).  Os sintomas mais comuns são desorientação e problemas de concentração. O mecanismo não está bem esclarecido, mas a IL-2 está ligada ao aumento do conteúdo líquido cerebral. Ao menos presume-se que a citotoxidade irreversível não seja o caso, pois não há perda neuronal. Estresse oxidativo reversível pode ocorrer e ocasionar danos devido ao teor de gordura das membranas cerebrais, que são facilmente oxidadas. Outro estudo comprovou a presença de substâncias tiobarbitúricas ácidas reativas no sangue de pacientes com encefalopatia hepática séptica. Essas substâncias são marcadores reativos de peroxidação lipídica.


CLÍNICA

É necessário se ter em mente os três cursos de apresentação do delirium: alterações no pensamento, percepção e memória. As maiores características são o início abrupto, curso flutuante e déficit de atenção. As alterações evoluem na ordem de horas a dias, distintamente da demência, que evolui em semanas a meses sem início evidente. Como é flutuante, não é incomum os intervalos de lucidez.

O paciente com delirium pode ser hiper ou hipoativo. A falta de atenção é reconhecida com dificuldade de focar e manter a atenção, geralmente com insistência em responder perguntas anteriormente solicitadas, além da dificuldade seguir comandos. A desorganização do pensamento se manifesta com raciocínios ilógicos para o médico. Alterações do nível de consciência podem evoluir para letargia. Segue-se irritabilidade, labilidade emocional, alucinações – geralmente visuais, delírios e alterações do sono-virgília. Sobre esse último, o paciente encontra-se sonolento durante o dia e à noite o sono é breve e facilmente interrompido.  Alterações na linguagem são evidentes, com disgrafia sendo bastante sensível.

Como pode se ver os sintomas hiper e hipoativos são facilmente distintos. A forma hipoativa está relacionada ao rebaixamento do nível de consciência e possui pior prognóstico. Pode ocorrer alternância entre as duas formas ou co-existência, caracterizando um evento de ordem mista. No hiperativo o paciente fala alto e rápido, e movimenta-se com grande inquietude.


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial mais abordado é a respeito da demência. A principal diferença é o curso crônico e menos flutuante dessa última. É preciso também se ater que um o paciente portador de demência detém a maior prevalência de delirium. Quando os quadros se sobrepõe o delirium se inicia normalmente, mas se arrasta por semanas e se cronifica.

Se o paciente que apresenta o delirium cursa com tristeza, raiva ou apatia, pode confundir o diagnóstico com o maníaco-depressivo. No entanto, com uma história clínica bem estruturada e uma investigação junto àqueles que convivem com o paciente, essa distinção não será problema. A identificação dos medicamentos a seguir pode ajudar no diagnóstico.
FONTE: Artigo: FURLANETTO e CAVALCANTI in: delírio ou dlirium?



TRATAMENTO

A primeira medida é identificar a causa base, podendo ser de fácil identificação ou não. O tratamento de qualquer causa não deve ser desvinculada da analgesia. O tratamento direto também engloba ações não medicamentosas, tais como o contato com objetos de uso pessoal, atenção dos familiares, afastamento de áreas muito claras, evitar sons altos e abruptos, tudo conspirando para manter a familiaridade do paciente com a realidade. Atividades não essenciais devem ser deixadas para períodos noturnos. Se o paciente cursar com agitação importante, deve-se restringir os movimentos, porém não deve-se restringir demais ou apertar excessivamente as faixas para conter movimentos, pois poderia aumentar a agitação do paciente.

Sedativos em geral possuem boa resposta. Como não se quer uma ação sedativa potente, o medicamento de preferência é o haloperidol, que inclusive não predispõe a depressão respiratória e seu poder de modificação hemodinâmica é limitado. Pode precipitar a reação extrapiramidal com manifestações incluindo rigidez. Com menos frequência causa arritmias cardíacas. A dose é de 0,5 mg por via oral de 12/12 horas.  Os benzodiazepínicos e seus metabólitos não são indicados em idosos pela chance de deflagrar o próprio delirium nos pacientes que não o tem ou piorar os quadros em curso, contudo, nos casos de abstinência alcóolica ele pode ser utilizado, embora com cautela. A dose é de 5 ou 10 mg via oral.


REFERÊNCIAS

SANTOS, Flanklin Santana. Mecanismos fisiopatológicos do delirium. Revista de Psiquiatria Clínica. v. 32. n.3. p. 104-112, 2005; (DESTAQUE)

CAVALCANTI, Alexandre Bias; FURLANETTO, Letícia Maria. Delírio ou delirium? Encontrado em: http://www.ccs.ufsc.br/psiquiatria/98dest-deli.html. Acessado em 06 de junho de 2013 às 10:00;

LÔBO, Rômulo R.; FILHO, Silvio R. B. da Silva; LIMA, Nereida K. C.; FERRIOLLI, Eduardo; MORIGUTI, JULIO C. Delirium in: condutas em enfermaria de clínica médica de hospital de média complexidade - parte 2. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. v. 43. n. 3. p. 249-257, 2010;

PESSOA, Renata Fittipaldi. NÁCUL, Flávio Eduardo. Delirium em pacientes críticos. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. V. 18. N. 2. Abr-Jun, 2006;

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;




terça-feira, 4 de junho de 2013

A HIPERTENSÃO E HIPOTENSÃO NO IDOSO

ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES

Todas as modificações relacionadas à hipertensão arterial (HA) no idoso giram em torno da forma como o coração responde ao aumento da resistência vascular, e de todos os motivos que o deflagram, a rigidez vascular com aumento de pós-carga é o de efeitos mais evidentes. Esse aumento determina algumas consequências: aumento do átrio esquerdo, hipertrofia do ventrículo esquerdo (HVE), distúrbios de enchimento de câmaras cardíacas, como a diminuição do enchimento ventricular, que pela lei de Frank-Starling culminará numa contração menos vigorosa.  Com isso a dependência da contração atrial na ejeção do sangue, que no jovem se limita a 20%, vai aumentar.

Ocorre um processo degenerativo nas paredes dos grandes vasos através da diminuição da elastina e ruptura de fibras da mesma, e substituição por colágeno – menos distensível, deposição de cálcio, espessamento da parede, diminuição da luz e diminuição da complacência. Como a complacência vai diminuir, haverá um menor amortecimento das pressões, por isso, os pequenos vasos recebem ondas tensionais e as devolvem para os níveis anteriores causando amplificação da pressão arterial sistólica, culminando na hipertensão arterial sistólica isolada. Uma sucessão de processos arterioscleróticos termina por diminuir a luz dos vasos, a exemplo do que ocorre nas artérias renais, coronárias e carótidas, havendo maior acometimento no sexo masculino.

Como ocorre redução geral da massa muscular no idoso, vai haver redução do número de miócitos, nesse caso devido à perda de capilares na parede miocárdica. Os miócitos que sobrarem vão se hipertrofiar, acompanhado do aumento também do colágeno intercelular, resultando no aumento da espessura do ventrículo, principalmente o esquerdo. Outras alterações são fibrose disseminada, depósito de lipofuscina em fibras cardíacas, calcificação do miocárdio e amiloidose senil (reação inflamatória secundária ao depósito da proteína amiloide). A fibrose e a calcificação citadas se estendem às cordas tendíneas causando espessamento com comprometimento de função.

Vai ocorrer diminuição da reserva funcional (resistência fisiológica contra alterações a ponto de manter o indivíduo sem sintomas), principalmente aos esforços pelas seguintes questões: diminuição da resposta ao aumento da frequência cardíaca; diminuição da complacência do ventrículo esquerdo com consequente retardo do relaxamento e elevação da pressão atrial; diminuição da complacência dos vasos e aumento da resistência periférica já citados; diminuição do consumo máximo de oxigênio durante atividades mais vigorosas; diminuição da resposta a catecolaminas. Sobre esse último, ocorre uma queda da sensibilidade dos receptores beta e uma manutenção dos receptores alfa. Os primeiros têm efeito dilatador e os segundos, vasoconstrictor, justificando a tendência natural ao aumento da resistência vascular periférica (RVP). Ocorre ainda queda da resposta do sistema barorreceptor e do sistema renina-angiotensina-aldosterona, que aliado a menor competência do organismo em transportar oxigênio, induzirá à hipotensão ortostática no idoso. Todas essas questões envolvendo receptores e efeito inotrópico e cronotrópico vão fazer com que o idoso não consiga aumentar sua frequência cardíaca nos exercícios e com isso sua capacidade física cai.

Com o metabolismo hepático diminuído – diminuição de síntese de ácidos biliares, retardo da depuração de lipoproteínas, modificações no tamanho da molécula HDL – haverá tendência à formação de placas ateroscleróticas em diversos seguimentos vasculares. Isso culmina no fato de que aproximadamente 90% dos octagenários cursam com doença arterial coronariana, apesar de apenas 30 a 40% apresentarem sintomas (WAJNGARTEN, 2010).  Outro estudo promovido pelo Cardiovascular Healt study, analisando mais de 6.000 pacientes, identificou que apenas 20% da população de cinco comunidades americanas não sofre de doença arterial coronariana.

O depósito da proteína amiloide, tão importante na gênese do Alzheimer, aqui também causa estragos por indução de atividade inflamatória, contribuindo para a ocorrência de arritmias, da quais a mais comum é a fibrilação atrial, com prevalência de 0,1% em pacientes menores de 55 anos e mais de 9% naqueles acima de 85 anos, estabelecendo para esses um risco de eventos embólicos de 23,5%.


HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA NO IDOSO

A definição e diagnóstico da hipertensão arterial no idoso são semelhantes ao do indivíduo jovem. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica multifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA). Deve ser diagnosticada em ao menos duas medidas casuais com níveis pressóricos acima de 140 X 90 mmHg. É necessário se atentar para o hiato auscultatório, que é um período inaudível no momento da ausculta, podendo ocasionar resultados sistólicos falsamente mais baixos e diastólicos falsamente mais altos. Por isso é recomendado que seja realizado o MAPA (medida ambulatorial de pressão arterial), minimizando erros de aferição.

A Hipertensão no idoso alcança uma prevalência de 60 a 80%. Para entender a hipertensão no idoso é importante a compreensão da hipertensão sistólica isolada, pois essa vai ser a principal forma de apresentação. A pressão sistólica tende a aumentar ao longo da vida, porém a diastólica aumenta até os 55-60 anos e a partir daí se mantém. 40% de todos os indivíduos acima de 60 anos apresentam pressão sistólica aumentada com diastólica normal. Esse número corresponde a 2/3 de todos os hipertensos.

A gênese na hipertensão sistólica isolada é a perda da complacência dos vasos e a consequente pressão reflexa já explicada neste texto. Nos indivíduos jovens, a onda reflexa – onda de pulso – volta para a aorta ascendente mais atrasada, no fim da diástole seguinte à sístole fonte da onda. O tempo gasto para isso é maior em relação ao idoso, e por isso a pressão da onda de pulso se equilibra com a pressão diastólica e por fim com a sistólica seguinte, aumentando a pressão central. Já nos idosos, como a complacência dos vasos está diminuída, a onda reflexa volta para a aorta na própria sístole somando-se a pressão sistólica natural, porém não influenciando a diástole. Fatores que influenciam todo esse processo de incompetência dos vasos em amortecer a pressão sistólica são a deficiência de estrógeno, tabagismo, diabetes e aumento da homocistoína.

Se algum estímulo contínuo exige que o ventrículo se contraia mais vigorosamente, ele irá causar a Hipertensão sistólica isolada. Com esse aumento de pressão o estresse das paredes do ventrículo também cresce e por isso elas se hipertrofiam e se enrijecem, já que também vão sofrer com quebra das fibras de elastina, aumento do colágeno e distorção na orientação das fibras musculares.

Uma peculiaridade no idoso é a pseudo-hipertensão, sendo definida pela manobra de Osler, que é a palpação do pulso radial mesmo com a hiperinsuflação do manguito do esfingmomanômetro. A presença da pseudo-hipertensão é sinal de processo aterosclerótico, e marcador de complicações cardiovasculares, justificando a diferença da pressão arterial aferida nos dois braços.

Um problema adicional é a maior responsividade do idoso ao sódio e menor produção de óxido nítrico, que compensaria a elevação da pressão aumentando o diâmetro dos vasos. A queda na produção de óxido nítrico é grave, mas felizmente é parcialmente compensada pela ingestão de nitratos e derivados. As quebras das fibras de elastina ocorrem mesmo com a estabilidade dessas fibras se prolongando por uma vida média de 40 anos. O problema então não se encontra no envelhecimento, e sim no estresse pressórico recorrente sobre os vasos, que chega a aproximadamente 2 bilhões de expansões aórticas até a sexta década de vida. Um desgaste em que não apenas a aorta está envolvida. Seus efeitos se aliam a modificações em vasos periféricos, particularmente arteríolas e pequenas artérias, onde ocorre o fenômeno denominado rarefação, que é a diminuição de vasos interconectados que permitiriam uma maior fluidez na corrente sanguínea.

O sistema renina-angiotensina-aldosterona, que em condições de hipotensão induzem respectivamente vasoconstricção (renina-angiotensina) e retenção de sódio com consequente retenção de água (aldosterona). Já em condições patológicas a antiotensina II induz a uma inflamação vascular, fibrose cardíaca e renal, além da associação com eventos ateroscleróticos.

A Hipertrofia Ventricular Esquerda (HVE) é conjecturada como causa ou consequência da hipertensão arterial. De qualquer forma é um fator seguramente associado, assim como também foi associado o aumento da espessura do septo interventricular com a incidência de hipertensão arterial. Outra associação ainda mais evidente é a ingesta de sal. O estudo INTERSALT demonstrou a correlação direta entre a dieta hipersódica e a hipertensão. Da mesma forma, outro estudo com os índios Yanomames, identificou a ingesta hipossódica com incidência nula de hipertensão arterial nessa população. Concluiui-se então que ingesta de sal acima de 100 mEq/dia associou-se a prevalência de hipertensão em 50% dos idosos acima de 60 anos, enquanto que a hipertensão é rara em indivíduos que ingerem até 50 mEq/dia.


TRATAMENTO NÃO MEDICAMENTOSO

O primeiro passo é a mudança de hábitos nutricionais para aqueles pacientes em dieta hipersódica e hipercalórica para idosos acima do peso recomendado para a idade. Exercícios físicos funcionam tanto para prevenir a instalação da hipertensão, como para reduzir os níveis pressóricos. Devem começar em ciclos de pequena duração e intensidade, com o objetivo de condicionamento físico, e ir elevando a dificuldade com a aquisição da boa condição física. A ingesta de sal deve se restringir a 2,4 g de sódio ou 6 g de cloreto de sódio.


TRATAMENTO MEDICAMENTOSO

Primeiramente deve-se ater para a introdução gradual dos medicamentos devido ao risco de hipotensão ortostática e eventos isquêmicos, já que o efeito dos barorreceptores não possui mais a devida respostacompensatória a mudanças de pressão. Se o paciente possui níveis pressóricos muito elevados, o tratamento inicial não deve rebaixar os níveis abaixo de 160 mmHg. Alguns pacientes, classificados como mais frágeis, tendem a apresentar respostas indesejáveis, tais como perda de peso, sensação de cansaço, fraqueza muscular e inapetência.

O estudo Val-Syst estabeleceu um esquema inicial que bons resultados através da avaliação de 421 pacientes de 60 a 80 anos portadores de HSI por 24 semanas. A pressão sistólica identificada foi estabelecida entre 160 e 220 mmHg. Radomizados, metade dos pacientes fez uso de anlodipino 5 mg/dia e a outra metade fez uso de valsartana 80 mg/dia. Essa primeira fase durou oito semanas. Caso a pressão sistólica não alcançasse o patamar de 140 mmHg era adicionado o dobro da dose para os dois grupos de pacientes, ou seja, 10 mg de anlodipino e 160 de valsartana. Daí passava-se mais oito semanas. Para aqueles pacientes que não alcançavam o nível pressórico de 140 mmHg mesmo assim, era adicionado hidroclorotiazida na dose de 12,5 mg. O resultado foi que se alcançou a adequação da pressão arterial em 70% dos pacientes.

O estudo ANB2, que comparou os resultados de 6.083 hipertensos em uso de enalapril ou hidroclorotiazida, concluiu que o enalapril se associou mais a eventos cardiovasculares e morte. O enalapril tem apresentação em 5, 10 e 20 mg, com dose usual de 10 a 40 mg ao dia, tomadas em duas administrações. A hidroclorotiazida pode ser utilizada até 100 mg/dia, mas no caso de idosos e principalmente nos casos e que há outro hipertensivo associado, a dose inicial deve ser menor, com o paciente passando por diversas reavaliações até que se encontre a dose adequada.


HIPOTENSÃO NO IDOSO (HO)

As maiores repercussões dessa condição são síncopes e quedas, infarto agudo do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais. A prevalência da HO em idosos institucionalizados é de 30%. Quando a causa é neurogênica possui consequências mais incapacitantes.

Os sintomas começam com a mudança de posição, mais comum pela manhã, após refeições de grande volume, exercícios físicos e banho quente, todas levando a uma redistribuição anômala momentânea da corrente sanguínea que ocasiona hipoperfusão cerebral. Daí segue-se tonteira, síncope, quedas, distúrbios visuais, déficits neurológicos focais e cervicoalgia.

Não há diagnóstico diferenciado para o idoso em relação ao adulto jovem. É recomendado que a aferição seja realizada na posição ortostática após 30 minutos de repouso em decúbito dorsal no segundo minuto, realizando mais duas aferições repetidas a cada dez minutos. Se for identificada uma queda de pressão na terceira aferição de ao menos 20 mmHg o diagnóstico é positivo.

Dito isso a HO pode ser classificada em simpaticotônica, quando há aumento da frequência cardíaca apropriada e aproximadamente 20 batimentos por minuto. Esse tipo geralmente está associado ao idoso não praticante de exercícios físicos regulares; pode ocorrer por disfunção autonômica, quando não ocorre aumento de frequência cardíaca, ou ocorre um aumento de até 10 batimentos por minuto; HO por distúrbio vagal, quando há diminuição da frequência cardíaca. Nesse caso o problema é maior, pois haverá mal funcionamento do sistema nervoso autônomo, com acometimento de fibras nervosas aferentes que elevem as informações para exigir do corpo uma adaptação como resposta.

As causas básicas ainda podem ser traduzidas em mais dois mecanismos fisiológicos: HO hiperadrenérgica, causada por diminuição da volemia e por depleção de sódio por perda gastrointestinal ou renal com secreção de aldosterona aquém do ideal; HO hipoadrenérgica, quando há lesão no arco reflexo.

A HO hipoadrenérgica pode ser: primária, que é idiopática; ou secundária, mais comum, com disfunção de múltiplos sistemas, podendo ser causada por alcoolismo, amiloidose e principalmente por diabetes.

O idoso com a HO por distúrbio vagal cursa com perda da libido, distúrbios de micturiçao e alterações dos hábitos intestinais, como constipação ou diarreia. Rouquidão, obstrução nasal e apnéia do sono também podem surgir. Portadores desse tipo de HO costumam ser portadores de hipertensão grave e se manejados contra a HO em decúbito dorsal por muito tempo podem agravar a hipertensão.

Dois mecanismos estão mais envolvidos na HO. O primeiro é a não ativação dos barorreceptores que estão, principalmente, na parede da carótida interna e do arco aórtico, que levariam informações sobre quedas rápidas de pressão arterial até o bulbo. O segundo mecanismo é a mesma disfunção, só que nos quimiorreceptores que se localizam na bifurcação da carótida comum.

O primeiro passo para se tratar essa condição é a retirada de fármacos que induzem o indivíduo à HO, tais como os betabloqueadores, o antidepressivos e os antianginosos. Os pacientes em uso de simpaticolíticos apresentam especial tendência à hipotensão ortostática pós-prandial. Devido à maior secreção de fator natriurético esses pacientes urinam muito à noite sem reporem o sal do organismo, já que não costumam se alimentar. Em consequência a HO ocorre pela manhã quando o paciente se levanta. Para evitar isso pode-se elevar a cabeceira da cama em 10 a 20 graus, minimizando os desvios noturnos de líquido intersticial, mantendo o líquido nesse espaço nas  pernas, o que servirá de reserva quando o paciente ficar de pé.

Caso o paciente não tenha insufuciência cardíaca congestiva, deve-se parar com diuréticos e liberar a ingesta de sal e vestir meias elásticas até a cintura apenas durante o dia. Isso se alia ao levantar gradual pela manhã, não utilizar saunas, nem se expor ao sol por demasiados períodos, além de evitar carregar pesos, que desviariam o sangue para a área abdominal e intratorácica com consequente hipoperfusão cerebral. O mesmo ocorre na hipotensão pós-prandial, agravada pela secreção de histamina, bradicinina e adenosina por conta da resposta à ingesta alimentar. Esse mecanismo pode ser diminuído pela simples ingesta de café após as refeições, pois esse diminui a resposta à adenosina. Exercícios de natação são os mais recomendados, pois debaixo d’água a pressão se mantém estável, demandando maior cuidado apenas ao sair da água.

O tratamento farmacológico é realizado com a 9-alfa-fluoridrocortisona, com dose inicial de 0,1 a 0,3 mg/dia, podendo chegar até 1 mg/dia, porém com aumentos graduais e adaptados para a idade. Ela aumenta a retenção de sódio, aumento do volume sanguíneo e aumento da sensibilidade dos vasos sanguíneos a vasopressores endógenos. A midodrina tem efeito agonista periférico seletivo de receptores alfa-1-adrenérgico, é rapidamente absorvida no trato gastrointestinal, tem início de efeito e 20 a 40 minutos e manutenção deste por 3 horas. A dose é de 10 mg via oral 3 vezes ao dia, sendo que a última dose deve ser administrada até as 18 horas a fim de evitar a hipertensão supina. Como estamos falando de idoso e como a resposta a esses fármacos varia de indivíduo para indivíduo, a dose inicial é de 2,5 mg via oral duas vezes ao dia.


REFERÊNCIAS

PRADO, Felicio Cintra do; VALLE, José Ribeiro; RAMOS, Jairo de Almeida. Atualização terapêutica: manual prático de diagnóstico e tratamento. Artes Médicas. São Paulo, 1999;

WAJNGARTEN, Maurício. O coração do idoso. Jornal Diagnósticos em cardiologia. Ano 13. n. 43. Ago-set, 2010;

CUNHA, Ulisses Gabriel de Vasconcelos; BARBOSA, Maria Tonidandel; GIANCOMIN, Karla Cristina. Diagnostico por passos da hipotensão ortostática neurogênica no idoso. Arquivo brasileiro de cardiologia. v. 68. n. 1. 1999;

MENDES, Romeu; BARATA, J. L. Themudo. Envelhecimento e pressão arterial. Acta Médica Portuguesa. v. 21. n. 2. p.: 193-198. 2008;

MIRANDA, Roberto Dischinger; PIROTTI, Tatiana Caccese; BELLINAZZI, Vera Regina; NÓBREGA, Thaíssa Maria; CENDOROGLO, Maysa Seabra; NETO, João Toniolo. Hipertensão arterial no idoso: peculiaridades na fisiopatologia, no diagnóstico e no tratamento. Revista Brasileira de hipertensão. n. 9. p.:293-300. 2002.

GAZONI, Fernanda Martins; BRAGA, Lanna Lacerda Sampaio; GUIMARÂES, Hélio Penna; LOPES, Renato Delascio. Hipertensão sistólica no idoso. Revista Brasileira de Hipertensão. v. 16. n. 1. p.: 34-37. 2009;

 ALMEIDA, Fernado Antônio de. Tratamento da hipertensão sistólica isolada: o estudo Val-Syst. Revista Brasileira de Hipertensão. v. 10. n. 3 jul-set, 2003.

H