É um transtorno que se
caracteriza por alteração do humor em direção ao polo depressivo, afetando
outras funções mentais com distintos quadros. Na população geral a prevalência
é de 3%, dentre aqueles que procuram os serviços de saúde a prevalência é de
10% e de 20% para aqueles portadores de doenças crônicas. Ocorre também o dobro
nas mulheres em relação aos homens, com média de idade entre 20 e 50 anos.
Ocorre predominantemente em pessoas que não possuem relações íntimas
interpessoais. 80% das pessoas com transtornos depressivos maiores não são tratadas
ou tratadas por não-psiquiatras. Dos tratados em geral, 30 a 45% não apresentam
resposta satisfatória no tratamento inicial e 15% se mostram resistentes ou
refratários ao tratamento farmacológico. 30 a 50% nunca se recuperam totalmente
com o tratamento. Estima-se também que 2 a 3% da população geral têm suas
atividades diárias seriamente prejudicadas por distúrbios de humor.
ETIOLOGIA
Diversos autores afirmam que a
etiologia da depressão não está bem esclarecida, mas em estudos anatômicos, ao
menos, foram bem definidos diversas modificações. Modificações na área frontal e estriato, que modulam o sistema
límbico, vão estar diretamente envolvidas nas modificações de humor. Em idosos
foi identificado um a diminuição do
fluxo sanguíneo e uma queda no metabolismo do córtex pré-frontal de
pacientes depressivos uni e bi-polares. Ainda que a diminuição do volume
cerebral esteja ligado à senescência, a queda do metabolismo não está, ainda
mais pelo fato dessa queda ser flutuante a depender do estado do paciente.
Haverá também modificações na substância
branca subcortical, predominantemente na
área periventricular, gânglios da base e tálamo. Essas alterações também
foram mais referenciadas em idosos.
Mesmo havendo uma redução do
metabolismo, esta alcançando toda porção anterior do cérebro, também haverá aumento do metabolismo da glicose,
principalmente em regiões límbicas, tais
como a amígdala. É como se o órgão estivesse hiperativo, por isso esse
aumento acarretaria em amplificação do significado dos eventos estressores de
menor grau. Também foram identificadas modificações específicas para pacientes
com concomitância entre depressão e psicose: atrofia do diencéfalo, alterações
no sistema reticular ativador ascendente e atrofia frontotemporal esquerda.
Todas essas modificações deixam
praticamente irrefutável o peso genético e a tendência individual de evolução
da depressão, levando em conta, certamente, que a deflagração dos quadros necessita
de uma interação entre a vulnerabilidade do indivíduo e fatores ambientais.
Um outro achado interessante que
se relaciona com os níveis de estresse é a hipersecreção de glicocorticoides –
os chamados hormônios do estresse, pois sua secreção aumenta quando o indivíduo
se encontra em situação de perigo ou apreensão. Essa maior secreção faz com que
o glutamato, o principal neurotransmissor excitatório cerebral, passe a quebrar
a homeostase das concentrações de cálcio, inibir o transporte de glicose e
aumentar a produção de radical hidroxila, matando células mais sensíveis do
hipocampo e de regiões especialmente ativas no córtex, que por ter maior
demanda de equilíbrio, irá ser mais sensível a tais modificações.
As hipóteses envolvendo
distúrbios nas atividades de neurotransmissão são consideradas as mais aceitas
na relação de influências no desencadeamento da depressão. As monoaminas, que
são o substrato para a produção de neurotransmissores, estão em maior concentração no tronco cerebral em pequenos núcleos
que se espalham pelo córtex e sistema límbico, para regular as atividades
psicomotoras, apetite, sono e provavelmente humor. Como os principais
neurotransmissores envolvidos com essas porções do cérebro são a serotonina, a
noreprinefrina e a dopamina, são justamente esses que estarão envolvidos na
gênese da depressão. Schildrat (1965) e Bunney e Davis (1965) propunham que a
depressão estava associada ao déficit de catecolaminas, principalmente a
noradrenalina.
Essa hipótese das monoaminas não
possui total aceitação devido ao fato de que, apesar do uso de medicamentos que
regularizem de imediato a secreção dessas, os fármacos só produzem efeitos em
média depois de quinze dias em uso. Por isso, o foco das pesquisas com intensão
da gênese da depressão migrou para os receptores dos neurotransmissores. Esse
direcionamento de pesquisas levou a algumas descobertas como: 1-a queda de
monoaminas leva ao aumento do número de receptores – up-regulation; 2- estudos
em cérebros de suicidas revelou um maior número de receptores de serotonina no
córtex frontal; 3- os neurotransmissores possuem mais de um tipo de receptor, e
dentre os subtipos de um mesmo neurotransmissor, a estimulação pode gerar
diversos efeitos, até mesmo opostos entre si, como no caso do 5-HT1A e 5-HT2.
Com essas três informações,
levantou-se a hipótese da sensibilização dos receptores, que demorando diversos
dias para alcançar o equilíbrio desejado, impediria que os medicamentos
tivessem um pronto efeito no início da administração.
Como citados anteriormente, a
serotonina, dopamina e a norepinefrina estão relacionados com a modulação do
humor – já que são ativos no sistema límbico, córtex pré-frontal e hipotálamo.
A redução de serotonina e noradrenalina na fenda sináptica, por exemplo,
estariam relacionadas com sintomas de ansiedade, impulsividade e queda de
energia. A queda da dopamina se relaciona com distúrbios da volição –
capacidade de tomada de decisões, ou pode ser entendido também como força de vontade.
Tais quedas ocorrem na depressão, e como dito antes, o corpo acompanha essa
modificação com a up-regulation, mas tal alteração, juntamente com modificação
da sensibilidade dos receptores, é ineficaz para corrigir os distúrbios que se
seguem.
Estudos ainda em curso relacionam
a presença de fatores estressantes com a estimulação de eventos inflamatórios e
ativação de citocinas que comandarão alterações neuroquímicas associadas à
depressão. O grau de atividade da inflamação e o grau de modificação ocorrida
após sua ativação são caminhos para definir a predisposição genética aos
fatores ambientais.
A associação entre depressão e
distúrbios cardiovasculares também está definida, havendo três possíveis
vertentes: a depressão pode ser desencadeada pelo estresse causado pela noção
de ser portador de doença cardíaca; pode acarretar disfunções cardíacas através
da queda do limiar de arritmias, através de diminuição da função vagal e
estimulação simpática. Essas modificações estão associadas com arritmias ventriculares
e morte súbita, pois há uma menor capacidade de variação da frequência cardíaca
e elevação da frequência cardíaca de repouso; por último pode haver uma
predisposição genética que comande a ocorrência simultânea das duas patologias.
QUADRO CLÍNICO
Classificação: transtorno
depressivo maior: pode ser um evento único ou recorrente ao longo da vida.
Observa-se anedonia, desinteresse
por atividades antes prazerosas, aumento
dos sintomas nas primeiras horas do dia, insônia no fim da noite, agitação ou
prostração acentuados, anorexia
ou culpa excessiva. Por vezes pode
haver aumento de apetite e sonolência
excessiva, bem como ansiedade. Quando a ansiedade é nítida, corre-se o
risco de instituir tratamento com ansiolítico ao invés de antidepressivos, o
que não traz boa resposta.
Transtorno depressivo menor:
seguem os mesmo padrões anteriormente abordados, porém em menor intensidade. Em
relação aos idosos, 25% com este tipo de depressão evoluem para o tipo maior.
Transtorno depressivo recorrente
breve: são os mesmo sintomas do transtorno maior, porém com recorrência a cada
duas semanas.
Transtorno distímico: caracteriza-se
por humor depressivo por no mínimo dois
anos, geralmente com início já na infância e de curso crônico. Crianças e adolescentes costumam referir
irritabilidade e tristeza constante.
Dois dos seguintes sintomas ocorrem ao mesmo tempo: apetite diminuído ou
hiperfagia, insônia ou hipersônia.
Depressão psicótica: ocorre mais
em idosos, tendo um costume de recaídas, podendo ocorrer delírios paranoides e
persecutórios. Nesses casos a história de depressão familiar é positiva. As
alterações do humor são importantes, o que faz esta patologia ser outrora
denominada pseudodemência, hoje cunhada como síndrome demencial da depressão.
Esses pacientes correm perigo de evoluírem para síndromes demenciais, como o
Alzheimer.
Humor deprimido é o sinal chave. Sensação de tristeza, tendência ao choro, desinteresse por
atividades que antes eram prazerosas, desleixo com atividades rotineiras
como o trabalho por conta de sensação de
fadiga ou fraqueza muscular são sinais clássicos da depressão. Pensamento
lento e déficit de atenção acompanham os distúrbios do sono, podendo ocorrer
insônia ou hipersônia. Pode haver prostração ou momentos de inquietação,
pensamentos de baixa estima, como menos-valia, seguidas de ideias suicidas. Em
casos graves há a presença de alucinações
e delírios niilistas. Por conta disso, é imperante a investigação de
ideação suicida sempre que se suspeite de depressão, pois em 70%
dos casos de suicídio, os indivíduos passaram por consulta médica no mês
antecedente. Estudos indicam ainda que 20% dos idosos que cometem
suicídio falaram com seu médico no dia do ato.
Quando a depressão ocorre após os
65 anos, chama-se de depressão de início tardio ou late-life depression,
estando mais relacionados com patologias demenciais, geralmente não
diagnosticadas no início dos sintomas depressivos. Geralmente não há história
de depressão na família, podendo haver casos de demência, com o paciente
apresentando grande distúrbio da cognição e auditivo. As modificações anatômicas
residem no alargamento do ventrículo e maior perda de substância branca em
relação a pacientes mais jovens.
A depressão tem uma prevalência
de 15% na população idosa. Os sintomas sensações de culpa, falta de prazer,
inutilidade e niilismo são características da depressão nessa faixa etária.
Diferente de qualquer outra faixa etária, a depressão nesse casos está ligada a
doenças degenerativas e cerebrovasculares, além da ser causa também pelo uso de
medicações como a seguir: metronidazol, isoniazida, hidralazina, metildopa,
propranolol, nifedipino, cimetidina,
ranitidina, metoclopramida, além do álcool.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Depressão X transtorno bipolar:
no transtorno bipolar ocorre alternância entre sintomas eufóricos (maníacos) e
depressivos (hipomaníacos). Muitas vezes a modificação de sintomas ocorre em
questão de horas. No estado maníaco, diferenciador da depressão, o paciente
fica eufórico ou irritável, alegria exagerada sem motivação correspondente,
agressividade e intolerância a limites ou frustrações. A auto-estima está
elevada, pensamentos otimistas e comportamentos audaciosos conduzem a perigos
de saúde e perdas financeiras. Ocorre sensação de energia revigorada, maior
agilidade de raciocínio e menor necessidade de sono. A atenção fica
prejudicada, com o indivíduo se perdendo dentre diversos assuntos abordados ao
mesmo tempo. Há queda da inibição com aumento das atividades sexuais, prejuízo do
discernimento com declarações inoportunas com humor individual, podendo até
revelar segredos outrora confiados.
TRATAMENTO
A primeira linha de escolha para
o tratamento são os inibidores da receptação da serotonina (ISRS). Eles
apresentam, no geral, melhor resposta, menores efeitos colaterais e maior
tolerância com o uso prolongado. Os ISRS estão também mais associados a menores
taxas de abandono do tratamento, porém, assim como qualquer outro medicamento
utilizado para fins de tratamento da depressão, os efeitos só começam a surgir,
em média, 2 a 4 semanas após o início do uso.
Primeiramente é necessário que
com o início do tratamento sejam realizadas entrevistas semanais com o paciente
por ao menos 4 a 6 semanas, a fim de acompanhar a evolução e estar atento a
possíveis necessidades de modificação da dose e/ou medicação.
Um agravante aos pacientes que
cursam com a anergia característica da depressão é o repouso prolongado. No
idoso essa situação predispões a diversas complicações, como pneumonias, já que
pela diminuição da movimentação pulmonar levará a um acúmulo de secreções. A
atividade físca evitaria esse tipo de complicação, além de trazer outros
benefícios de ordem neurológica. Blumenthal et al. (1999), comprovou a
importância da atividade física ao realizar a seguinte experiência: dividiu
três grupos de pacientes com sintomas depressivos sem gravidade semelhante, um
com o uso de ISRS, outro com prática de atividade física regular e outro com as
duas vertentes terapêuticas. Foi comprovado as mesmas respostas terapêuticas
positivas para os três grupos, com a diferença de que no grupo em uso de
medicamentos a resposta era mais rápida. Isso conclui que a atividade física é
uma alternativa terapêutica não-farmacológica eficaz.
A última linha de tratamento é a
eletroconvulsoterapia, atualmente reservada a pacientes com depressão maior não
responsiva ao tratamento medicamentoso. Nesses pacientes foi concluída uma taxa
de eficácia em torno de 50%, ou 80 a 90% de todos os pacientes que cursam com
depressão em seus vários subtipos. No entanto, essa estratégia é reservada
devido à necessidade de anestesia, efeitos colaterais e estigma social.
ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS
AMITRIPTILINA
É apresentada em comprimidos com
25 mg. Se administra incialmente uma dose via oral de 75 mg/dia em duas tomadas
ou em uso único pela noite. A dose máxima para tratamento da depressão é de 150
mg. O tratamento pode também ser iniciado com uma dose de 50 a 100 mg,
adicionando 25 mg até a dose de 150 mg/dia. Caso o paciente esteja
hospitalizado por depressão grave, pode-se utilizar até a dose máxima de 300
mg/dia. Os pacientes idosos possuem menor tolerância, com dose eficaz em torno
de 30 a 75 mg/dia, geralmente à noite.
ALPRAZOLAM
Dentre os antidepressivos
tricíclicos uma escolha razoável é o alprazolam. Ele é administrado via oral,
em dose de 0,25 a 0,5 mg por três vezes ao dia, sendo absorvido pela mucosa
estomacal e alcançando concentração sérica máxima de uma a duas horas após a
administração. Sua meia vida é de 11 a 15 horas, com uma ligação a proteínas
plasmáticas em torno de 70 a 80%. Ele é metabolizado no fígado, a
alfa-hidroxialprazolam, que também possui os mesmos efeitos, porém mais
brandos. É lentamente metabolizada,
contudo sua excreção pela urina é eficaz. Uma de suas aplicações menos usuais,
mas que apresentam boas repostas é no tratamento da síndrome pré-menstrual,
embora nesses casos ele só deva ser utilizado na fase lútea, quando a liberação
de progesterona tende a incitar maiores efeitos psicológicos.
Seu uso em pacientes com
insuficiência hepática e renal deve ser conduzido com cuidado. Em grávidas esse
cuidado nunca deve ser esquecido, pois esse medicamento possui a capacidade de
atravessar a placenta e até ser excretado no leite materno. Nos estudos
envolvendo o alprazolam não foram observados efeitos teratogênicos, mesmo
quando em ratos se infundiu dose 150 vezes maior que a diária humana.
INIBIDORES SELETIVOS DA
RECAPTAÇÃO DA SEROTONINA (ISRS)
FLUOXETINA
O medicamento dessa classe
disponibilizado pelo SUS é a fluoxetina. Possui menor sedação em relação aos
antidepressivos tricíclicos. Os efeitos adversos são secura de boca, vômitos,
dispepsia e diarreia. Tem-se descrito prurido, erupções cutâneas, angioedema e
anafilaxia. Pode causar hiponatremia, talvez por conta da maior secreção de
vasopressina. Esse efeito, no entanto, está reservado aos pacientes idosos. Foi
levantado que a fluoxetina pode induzir a ideias suicidas no início por conta
da actasia, agitação e pânico, o que demanda vigilância inicial semanal.
Propanolol, se utilizado em concomitância pode reduzir esses efeitos.
O tratamento habitual com
fluoxetina é de 20 mg/dia via oral, com alguns autores recomendando a
utilização pela manhã. Se passadas as quatro semanas sem nenhuma resposta, a
dose deve ser incrementada, porém, não ultrapassando 80 mg/dia. Pode ser administrado em duas doses ou dose
única. Se o paciente está estabilizado e
requer tratamento prolongado, pode-se administrar a dose de 90 mg em dose única
na semana.
ATENÇÃO: qualquer tratamento com
antidepressivos pode trazer um risco inicial de suicídio. Isso ocorre porque a
ideação suicida estaria suprimida por lentificação ou apatia motora. Com o uso
dos medicamentos e a melhora desses sintomas, a iniciativa suicida suprimida
pela anergia pode ser despertada.
ATENÇÃO: o tratamento deve ser
realizado em duas fases. Depois de iniciado o uso dos antidepressivos e
alcançado um efeito apreciável, a dose deve ser mantida por quatro a seis meses
ou até mais, quando deve ser realizado o desmame gradual até a suspensão total
do medicamento. Ao tempo desse desmame a vigilância deve ser constante por
parte do médico, outros profissionais de saúde e familiares. Caso ocorra dois
episódios depressivos em cinco anos, deve ser considerada a possibilidade de
dose preventiva.
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