quarta-feira, 27 de março de 2013

CÂNCER DO COLO DO ÚTERO







ANATOMIA DO ÚTERO

O útero é um grande tecido muscular que está situado na pelve verdadeira ou menor, com seu colo situado entre o reto e a bexiga e o corpo em contato com a bexiga. Sua parede, quando não gravídico e nuligesto, alcança 2 cm, tendo 5 cm de largura e 7,5 de comprimento. Ele é dividido em corpo, colo e cérvix. O corpo é dividido em outras duas porções: intestinal e vesical, esta última tendo contato com a bexiga. Após a puberdade o corpo totaliza dois terços do útero. O fundo é a porção superior do útero, situado acima dos cornos, que são os locais de inserção das tubas.  O colo também é dividido em suas porções: supravaginal e vaginal. A supravaginal é separada da bexiga por tecido conectivo frouxo e do reto pela escavação retouterina. A porção vaginal é aquela que vai entrar em contato com o canal vaginal.

O ligamento largo do útero é uma camada dupla de peritônio que sai das laterais do órgão até o assoalho da pelve, tendo a função de manter o útero no lugar. Entre essas duas camadas está o ligamento redondo. Outra estrutura que também auxilia na manutenção da posição do útero é o diafragma da pelve. Ele está ligado aos órgãos adjacentes, ao útero e à fáscia visceral da pelve, transmitindo o aumento do tônus quando a mulher senta ou se levanta, por exemplo.

O suprimento arterial se dá principalmente pelas artérias uterinas e ováricas. As artérias entram no ligamento largo juntamente com as veias, para constituir o plexo vascular do útero. As veias menores então drenam para as veias ilíacas internas. Os linfáticos drenam predominantemente para os linfonodos ilíacos externos, e uma pequena porção é drenada para os sacrais.

A camada muscular é dividida em três porções, de fora para dentro: perimétrio, miométrio e endométrio. Esta última é revestida por células colunares secretoras ciliadas e não ciliadas. O miométrio é a camada média, a maior das três, e é constituída por fibras musculares em direções longitudinais e circulares que predominam até que o útero comece a se constringir em direção a cérvix, passando a ter a predominância de fibras elásticas, complementadas por pequeno número de fibras musculares. A porção interna da cérvix é composta por células colunares simples produtoras de muco, as mesmas formadoras do tampão mucoso da gravidez. Aqui também há grande predominância de fibras elásticas sobre musculares. A superfície externa a cérvix é revestida por epitélio pavimentoso (escamoso) estratificado não-queratinizado.






O CÂNCER DE COLO

Primeiramente é necessário se ater à localização das células colunares e escamosas citadas anteriormente. Tais células estão em constante interação no sentido de que na medida em que as células colunares vão sendo exteriorizadas na ectocérvix e por isso entram em contato com o ambiente vaginal, as células vão se tornando escamosas. Esse é o processo de metaplasia, ou seja, o processo fisiológico de transformação de uma célula em outra, o que aqui dá origem à junção escamocolunar, também chamada JEC. O local ideal da JEC é no orifício externo do colo, mas pode haver modificações de acordo com a paridade. Essas células escamosas podem se proliferar além do ideal e obstruir a abertura das glândulas cervicais, com consequente formação cística, os ovos de Naboth. Esse acúmulo pode levar a um infiltrado inflamatório que, a depender da intensidade e duração, causa perda do revestimento epitelial ou ulceração.


Todo esse processo é detectado com o exame Papanicolau, que por sinal foi o responsável pela grande queda das mortes ligadas ao câncer de colo uterino. Mas antes de continuar é preciso dissertar sobre os fatores de risco para o câncer de colo. Em 99% dos casos esse câncer é causado pelo papilomavírus humano (HPV). Os fatores de risco mais conhecidos e fechados são: início precoce das relações sexuais, troca frequente de parceiros, tabagismo por conta dos níveis de nicotina e cotinina no muco cervical e seu potencial carcinógeno, deficiência de vitamina A – que seria um composto participante na construção do epitélio da cérvix, detecção precoce do HPV, imunodepressão – ocasionando em menor vigília do organismos a processos tumorais e sua defesa contra esses eventos, infecção persistente e não tratada por HPV de alto risco e infecções genitais.

Diversas fontes convergem ao afirmar que 50% das mulheres sexualmente ativas estão infectadas ou já tiveram contato com o HPV, mas apenas uma pequena porcentagem desenvolve lesões dignas de nota. 75% de todos os indivíduos com vida sexual ativa se infectam em algum momento da vida, sendo por isso a DST viral mais comum. Esse vírus possui 100 subsorotipos, podendo ser de baixo risco: 6, 11, 42, 44, 53 e 54; ou de auto risco: 16, 18, 31, 33, 35, 45 e 51. O problema desses últimos é que interferem no ciclo celular, não só por inibir a apoptose ao se ligarem à proteína p53, mas também por induzir a proliferação celular quando aceleram a duplicação do centrossomo. A proteína p53, que deveria induzir a apoptose, sofre proteólise por meio da ubiquitina com redução drástica. Uma proteína do HPV, a E7, se liga e degrada a proteína RB hipofosforilada, que normalmente inibe a entrada da célula na fase S, motivo esse que leva as células exibirem um núcleo aumentado de tamanho. Então se entende que não apenas a apoptose vai estar inibida, como também vai haver acréscimo no tempo de vida disponível à duplicação celular, culminando em aumento focal do número de determinadas células.
É viável a crença de que apenas a infecção por HPV não é suficiente para conduzir o aparecimento do Câncer de colo do útero, já que muitas das mulheres infectadas não apresentam o problema. Outras apresentam um problema que é indicativo de um câncer futuro, a lesão pré-cancerosa. Essas lesões podem ou não se tornar um câncer, e se não, podem involuir espontaneamente. Elas possuem também grande associação com o HPV de alto risco.

Uma classificação de lesões de colo que engloba as pré-cancerosas é a de neoplasia intraepitelial cervical (NIC), com displasias leves sendo denominadas de NIC I, e as lesões de carcinoma in situ são denominadas NIC III. Elas também podem ser simplificadas em lesões intraepiteliais de baixo e alto grau. Um paradoxo aqui, é que as lesões de relevo, como o condiloma, geralmente apresentam HPVs de baixo risco, e as lesões planas apresentam HPVs de alto risco. Ou seja, no condiloma, apesar do aspecto disforme e aumentado em tamanho, se constitui uma lesão de menor gravidade em relação a determinadas lesões planas. Após a implantação do vírus ocorre surgimento de células atípicas na base do epitélio escamoso, tendendo a células em queratinização. Com essas células variando a relação núcleo/citoplasma, aumento do número de células em processo mitótico e hipercromasia, pode-se dizer que ganham características malignas. Segue a perda progressiva de diferenciação e atipia nas demais camadas até alcançarem a superfície, quando então a lesão é classificada como NIC III.

Existe um local na cérvix que engloba os dois tipos de células normais do colo: as colunares e as escamosas. Como essa é uma área de intensa metaplasia, pode-se inferir que as lesões NIC I apenas estão progredidas quando ultrapassam esse local. Como a evolução é variável para cada paciente, ficam em voga a interação parasita/hospedeiro, o tipo de HPV e fatores ambientais. Caso a lesão alcança o nível de NIC III é muito provável que se transforme em um câncer, mas o tempo para que isso ocorra vai de meses a 20 anos.



CARCINOMA INVASIVO

Esse tipo de câncer se manifesta de três tipos: exofítico, ulcerativo ou infiltrativo. As lesões por eles criadas podem ser: tipo couve-flor, ou crescimento com vegetação para a ectocérvice; de aspecto nodular, com lesões infiltrativas e endurecidas; barrel-Shaped, ou lesões em forma de barril que podem se disseminar para a endocérvice; e ulcerações, nesse caso podendo haver presença de áreas necrosadas, o que determina odor fétido. No câncer avançado, a infiltração se alastra para o peritônio, a bexiga, os ureteres, o reto e a vagina, além de linfonodos diversos. Metástases ocorrem para o fígado, medula óssea e outros órgãos em menor incidência.

A grande maioria (95%) dos carcinomas escamosos são compostos por unidades grandes, bem diferenciados ou próximos disso, podendo ou não estar em processo de queratinização. Os carcinomas pouco diferenciados com células pequenas correspondem a praticamente o restante dos casos e raramente ocorre carcinoma com células indiferenciadas, quase sempre associado ao HPV tipo 18.

Nesses casos o estadiamento é feito como a seguir: estádio I se refere à lesão NIC III, ou in situ; estádio I ainda pode ser Ia, quando o carcinoma é subclínico e detectado somente em exames microscópicos, Ia1 quando a invasão não ultrapassa 3 mm de profundidade e 7 mm de largura, Ia2 quando a lesão alcança profundidade de 4 mm e largura de 7 mm, e no Ia3 o carcinoma é invasivo, mas está confinado ao colo.

No grau II o carcinoma se estende para além do colo, porém sem alcançar a cavidade pélvica. Caso alcance essa cavidade tem-se o grau III, podendo ainda invadir o terço superior da vagina; grau IV se refere ao carcinoma que invadiu a pelve menor ou a mucosa da bexiga ou do reto. Esse último estágio engloba as metástases que porventura ocorram.

Como o curso do carcinoma do colo pode durar anos, é correto o rastreamento periódico pelo exame Papanicolau, pois as lesões desprendem células na cavidade vaginal, justificando a coleta para o esfregaço também do Fundo de Saco de Douglas. No momento do exame também é necessário o coramento com ácido acético, que mostrará áreas lesionadas. Quando são encontrados padrões vasculares anormais há também indicativo de carcinoma invasivo, geralmente quando a aparência é evidente. Nesses casos é necessária realização da biopsia. Por imunohistoquímica é possível identificar marcadores específicos, como a ciclina-E e Ki-67, inclusive nas lesões pré-cancerosas servindo de diferenciação de lesões não neoplásicas.

Identificada lesão NIC I, a paciente somente precisa ser acompanhada com o exame Papanicolau, mas caso sejam encontradas lesões de nível II e III, é necessário o tratamento com laser, crioterapia, exérese de alça diatérmica. Quando há presença de carcinoma invasivo é necessária a realização de histerectomia com dissecção de linfonodos, e de radioterapia para os casos mais graves.

Como esses tratamentos são eficazes, a taxa de sobrevida de cinco anos é de 95% ou mais  para os cânceres de estádio Ia, de 80 a 90% para os carcinomas nos estágio Ia1, 75% para o estágio II, e 50% para os pacientes com lesões de estádio III ou IV. É interessante saber que nessa último classificação, a mais grave, a morte não ocorre por conta das metástases e sim por conta do acometimento dos tecidos próximos ao útero.


SINAIS E SINTOMAS DO CÂNCER DE COLO

Como já foi dito, este tipo de câncer pode se encontrar na forma subclínica por anos. Quando os sintomas se iniciam geralmente o fazem através de corrimentos e sangramentos anormais não associados à menstruação, ocorrendo muitas vezes a sinusiorrgia – sangramento após relação sexual. Em casos avançados pode ocorrer dor ciática e lombar. Se ocorrer invasão vesical pode haver hematúria.

A infecção por HPV pode ser subclínica, clínica ou latente. Latente corresponde à infecção com manifestações a nível celular, e subclínica quando não há nenhum sinal, diagnosticada apenas por exames moleculares. Quando a infecção é clínica a manifestação usual é o condiloma, que são lesões verrucosas múltiplas de tecido queratinizado, surgidas preferencialmente em áreas sem pelos. É preciso se ater que a lesão verrucosa raramente se inicia no colo.

Na gravidez a infecção por HPV expõe o feto invariavelmente, pois os vírus possuem a capacidade de disseminação placentária, de maneira que o parto cesário só é colocado em questão estrita quando as lesões verrucosas modificam o trajeto do parto.

Duas vacinas contra os tipos mais oncogênicos de HPV – 1ª: 6, 11, 16 e 18 e 2ª 16 e 18 – estão sendo comercializadas no Brasil, com promessa de incremento ao programa nacional de imunização (PNI). A eficácia da vacina já foi comprovada, inclusive seu custo-benefício, mesmo comprometendo 25% do orçamento atual do programa. Como a eficácia da vacina diminui caso a pessoa já tenha entrado em contato com o vírus, a vacina será disponibilizada especialmente para as mulheres de 9 a 12 anos, embora seja indicada para a faixa de 9 a 25. Essas vacinas utilizam uma proteína do capsídeo viral, a L1, desprovida de DNA e por isso não sendo capaz de produzir a doença. O esquema é feita com três doses de 0,5 ml em via intramuscular, com a segunda dose 1 a 2 meses após a primeira e a terceira 6 meses após a primeira, assim como acorre atualmente com a vacinação de adultos contra a hepatite B.


REFERÊNCIAS
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005;

BEMFAM. Câncer de colo do útero e nomenclatura para laudos citopatológicos cervicais: para médicos e enfermeiros. Curso de Atualização. DEC-DEMEC, 2008;

Neoplasia intraepitelial cervical – NIC. Disponível em http://extranet.saude.prefeitura.sp.gov.br/areas/crsleste/regulacao/protocolos-arquivos/ame-itaquera/AME_Itaquera_Protocolo_Colposcopia_NIC_4.pdf. Acessado em 25 de fevereiro de 2013;

Ministério da Saúde: Falando sobre câncer do colo do útero. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/falando_cancer_colo_utero.pdf, acessado em 24 de fevereiro de 2013.


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