MICROFLORA VAGINAL NORMAL
FIGURA 01: Lactobacilus acidophilus
O conteúdo
vaginal é a priori um meio de cultura. É formado por secreção ovariana, uterina,
células descamadas da ectocérvice e das paredes, proteínas e hidratos de
carbono, contendo uma diversidade de nutrientes para o crescimento bacteriano.
Normalmente a secreção vaginal e clara, inodoro, viscosa e com PH entre 3,5 e
4,5. Nas mulheres em idade reprodutiva o estrógeno aumenta a quantidade de
glicogênio nas células do meio vaginal, criando o meio ideal para a colonização
por lactobacilos e com isso 80 a 95% das bactérias da flora vaginal normal
pertencem a essa classe. Contudo, nem todas as mulheres exibem a prevalência
dessas bactérias em condições normais, podendo prevalecer outras também
produtoras de ácido lático.
O primeiro a
estudar a flora vaginal foi Gustav Doderlein, que identificou os lactobacilos
citados, mas as denominações Lactobacilus acidophilus ou bacilo de Doderlein são denominações simplistas, pois o que existe é mulheres com predomínio de L. crispatus e inners,
ou crispatus e grasseri. Ocasionalmente podem ser encontradas também L.
gallinarun, L. jensinii e L. vaginalis.
Estudos identificam que os L. jensinii, L. crispatus e grasseri ocorre a
nível mundial. Em mulheres com condições vaginais adequadas sem prevalência dos
lactobacilos citados o Atopobium vaginae, o Megasphaera e Leptotrichia são
bactérias produtoras de ácido lático, que por serem bem distintas dos
lactobacilos podem confundir o avaliador para um falso quadro de vaginose
bacteriana, quando ocorre um distúrbio patológico da flora vaginal.
Estudos
identificam variações étnicas do conteúdo vaginal, com as mulheres da raça
negra apresentando PH mais alcalino em relação a outras mulheres, justificando
presença de odor mais forte, sem que isso signifique condição patológica.
Identificaram também maior prevalência dessas outras bactérias produtoras de
ácido lático, o que justifica a alcalinização pouco mais acentuada.
De qualquer
forma todas essas bactérias agem de maneira benéfica produzindo ácidos e
criando um ambiente hostil para bactérias patogênicas. Além de produzirem ácidos
produzem também peróxido de hidrogênio, bactericinas e biosurfactantes. Além
disso, as bactérias benéficas formam um biofilme sobre a mucosa vaginal,
ocupando receptores de superfície – ou Toll-like receptors, que poderiam ser
ocupados por bactérias patogênicas.
CANDIDÍASE
FIGURA 02: Cândida albicans
É uma
patologia genital feminina causa por fungos da família Cândida, normalmente
colonizadora dos tratos gastrointestinal, respiratório, urinário e genital
humano. Pode ser encontrada em 80% das pessoas mesmo na ausência de quaisquer
condições patológicas. É a segunda causa
mais requente de vulvovaginites, responsável por 17 a 39% dos casos, quando a
vaginose corresponde a 22 a 50%.
Para começar
é uma bactéria cujo PH ótimo tende ao ácido, por isso tendo sua população
aumentada em períodos férteis e anteriores à menstruação. Dentro da vagina a Cândida
colocará em prática alguns mecanismos que lhe ajudam a colonizar o maio
vaginal. Primeiramente há um conjunto de oito proteínas codificadas por genes
da família Agglutinin-Like Sequence (ALS), com propriedades de aderência ao
epitélio vaginal. São as adesinas. Algumas dessas proteínas possuem a atividade
adicional de invasina e isso possibilita a invasão da mucosa, justificando a
manifestação das placas nas paredes da vagina – a als 3. A als3 se agrega à membrana das células do
epitélio, liberando um sinal para que o fungo seja fagocitado. A partir daí a
als3 exibe uma terceira função que é de ligação à ferritina, possibilitando que
o fungo se utilize do ferro do hospedeiro para crescer após a penetração na
parede vaginal.
Outra
característica da Cândida é a mudança de forma para suportar ambientes ácidos e
básicos. Quando na forma de hifas (filamentosa), por exemplo, fica mais fácil
se aderir ao epitélio vaginal e de alguma forma a torna mais resistente ao meio
ácido. Então quando a célula epitelial se lança em pseudópodos para fagocitar o
invasor e destruí-lo, ocorre que com a produção de proteases e fosfolipases a
cândida consegue penetrar pelas junções intercelulares e adentrar no tecido
genital, além de fuga na presença de linfócitos.
Normalmente
as defesas do organismo não permitem o crescimento abundante da Cândida, mas
quando a cândida consegue sobressair-se é instalado um quadro inflamatório
intenso que repercute na clínica da candidíase. Quanto à colonização essa
patologia pode ocorrer por duas classes gerais de fungos: a Cândida albicans e
não albicans. 80 a 92% dos casos é causado pela Cândida albicans. O termo não
albicans se refere a: Cândidas glabrata, kruscei, topicalis, parapsilosis e
Saccharomyces cerevisiae. Este último patógeno não é uma Cândida, mas está tão
intrinsecamente ligado à candidíase que termina por entrar nessa classificação.
Silva et al. afirma que a infecção por Saccharomyces cerevisiae é clinicamente
indissociável da fungemia por cândida albicans. De qualquer maneira a clínica
da candidíase é a mesma para todos os tipos, sendo importante uma outra
classificação em simples e grave recorrente. Esta última é classificada quando
a mulher apresenta quatro episódios ou mais dentro de um ano, o que corresponde
a 5% dos casos. ´
Os sintomas
da candidíase são: prurido, ardência, corrimento grumoso e sem odor,
dispareunia, disúria externa, eritema, fissuras vulvares, edema vulvar, escoriações
pelo ato de coçar. As escoriações por vezes podem complicar para pústulas a
depender da intensidade do prurido. Outra característica bem ligada ao
mecanismo de entrada do fungo no organismo é a presença de placas
esbranquiçadas nas paredes vaginais. Pode ocorrer também a colpite, chegando a
ser erosiva quando a resposta inflamatória é muito intensa.
O diagnóstico
pode ser obtido, na maioria das vezes pela clínica, mas nos casos de candidíase
recorrente o melhor é realizar cultura do raspado – com espátula de Ayre ou
swab – das paredes vaginais e colo, onde estão as placas. Isso porque a
sensibilidade do exame Papanicolau é de apenas 25% para pacientes com cultura
positiva. O teste de wiff, quando se utiliza o hidróxido de potássio a 10%
esperando-se a exalação de odor fétido – nos casos de vaginose – não ocorre. A
visualização das hifas à microscopia é muito característica da candidíase. É necessário afastar a dermatite de contato,
investigando o uso de absorventes e papel higiênico, sabonetes e o sêmem do parceiro.
Em muitos casos de candidíase recorrente é salutar solicitar a cultura de
esperma do parceiro, pois pode ser a fonte de contaminação.
FIGURAS 03 E 04: Placas formadas com o acúmulo de Cândidas
TRATAMENTO
Para a
candidíase não complicada a primeira opção são cremes vaginais. Para o
Ministério da Saúde a primeira opção é o Miconazol creme via vaginal por sete
noites. Esse creme é ideal nos casos de candidíase por Cândida albicans e não
albicans. Outra opção é a nistatina, utilizada por 14 dias, respondendo melhor
nos casos de contaminação por cândida albicans. Como segunda opção tem-se o
tratamento via oral com fluconazol 150 mg dose única, ou itraconazol 200 mg
12/12h por um dia. O tratamento oral é de segunda escolha por haver a chance de
causar cefaleia, náuseas e dor abdominal.
Na candidíase
complicada deve-se evitar o uso de cremes de amplo espectro. As medicações
orais são preferidas. Alguns estudos recomendam a utilização da terapia com
creme por 14 dias, aliado a 100, 150 ou 200 mg de fluconazol 1x ao dia,
repetidos nos 1°, 4° e 7° dias. Para casos mais graves deve-se fazer o
seguimento, que é realizado com fluconazol 150 mg por seis meses nessa
sequencia de dias e caso haja recidiva esse seguimento durará um ano.
Quando a
paciente apresenta recorrência com corrimento abundante e menos espesso, além
de ardor mais intenso que o prurido deve-se desconfiar de candidíase não
albincans. Nesses casos se utiliza o acido bórico 600 mg via vaginal
diariamente por duas semanas, o que resolve mais de 70% dos casos. Pode-se
repetir esse período com duas doses na semana. Se falha utiliza-se flucitosina
a 17% 5 gramas por dia via vaginal à noite durante duas semanas. Por fim resta
a anfotericina B supositório por 14 dias via vaginal.
Quando se
desconfia que a reação inflamatória é alérgica e não simplesmente pela presença
de cândida, pode-se utilizar acetato de medroxiprogesterona 150 mg
intramuscular e uso de iogurte por via oral para dessensibilização aos
lactobacilos. Na desconfiança de dermatite de contato deve-se utilizar qualquer
anti-histamínico, mas cuidado, pois não devem ser utilizados junto com os
triazólicos por risco de cardiopatia. O uso do iogurte e da medroxiprogesterona
não é totalmente comprovado.
Para os que
estiverem em uso de fluconazol lembrar que esse medicamento interage com
anticoagulantes, anticonvulsivantes, hipoglicemiantes e teofilina.
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