quarta-feira, 17 de setembro de 2014

UMA GOTA DE DOR

GOTA
FIGURA 01: IMAGEM DO TOFO GOTOSO EM DEDO

Doença advinda da superprodução de ácido úrico ou da pequena excreção renal em relação a uma produção normal – como ocorre na maioria dos casos – e tendo como consequência uma reação inflamatória dolorosa secundária à formação de cristais de ácido úrico em articulações diversas. É um transtorno na metabolização das purinas, nesse caso com consequente acúmulo em articulações e indução de eventos inflamatórios que acarretarão em dores de intensidades variáveis. Ocorre mais em homens entre a terceira e quarta décadas de vida.

O excesso de ácido úrico é assim classificado quando na urina de 24 horas em paciente com dieta de restrição de purinas, alcança um nível de 600 mg. Já o termo gota é dado quando existem sintomas decorrentes desse problema.

Pode ser primária quando ocorre por eventos endógenos ou secundária quando induzido por causa externas. As causas externas podem ser o ingesta de álcool ou usos de diuréticos, principalmente os tiazídicos, pois ambos competem pelos sítios de excreção de ácido úrico no rim. No caso do álcool, a própria metabolização com formação de acido lático irá facilitar a cristalização de ácido úrico. Isso embasa a recomendação da ingesta hídrica durante o tratamento, pois quanto mais ácida a urina, maiores as chances de formação de cristais de ácido úrico na via renal. Outra questão em relação ao álcool é que ele estimula os receptores PAH, localizados no túbulo renal, com função de absorção do ácido úrico. Salicilatos e etembutol podem ocasionar aumento do ácido úrico. Já hipouricemiantes em geral podem deflagrar a crise dolorosa por modificar de maneira rápida as concentrações de ácido úrico no sangue. As patologias que podem causar gota são as linfo e mieloproliferativas, mieloma múltiplo, anemia hemolítica, policitemia vera e psoríase.

O quadro clínico ocorre com dor nas articulações. Em 90% dos casos o início é monoarticular, sendo mais afetada a metatarsofalangiana. A articulação mais frequentemente atingida é a do hálux, mas a primeiras geralmente são o tornozelo, calcâneo joelho, punho, dedos das mãos e cotovelo. As dores podem iniciar abruptamente, não raro durante o sono. Após algumas horas a articulação afetada ganha sinais flogísticos, como vermelhidão, calor, edema e dor, esta inclusive ao tato, com o paciente não suportando sequer a deposição do lençol sobre o local. A dor pode desaparecer após algumas horas ou durar até dois dias. Quando ocorre melhora da crise a pele sobre a articulação acometida passa a descamar. Nessas mesmas articulações acometidas surge uma tumefação nítida de tamanhos diversos denominada de tofo gotoso.



FIG 03 FREQUÊNCIA DAS ARTICULAÇÕES ACOMETIDAS PELO ACÚMULO DE ÁCIDO ÚRICO.

A gota é um estado ocorrido a partir do aparecimento das crises de dor, o que reflete a reação inflamatória articular, égide da fisiopatologia da doença. O diagnóstico é fechado com a presença dos tofos gotosos e com a visualização dos cristais de ácido úrico à observação através de microscópio de luz polarizada. A sinóvia coletada possui uma aparência esbranquiçada, como um giz diluído em água. As alterações laboratoriais são leucocitose, VHS e PCR aumentados e edema articular nos exames radiológicos. O tratamento clássico pode ser realizado com uricosúricos – como a narcaricina, com a colchicina ou o alopurinol.

TRATAMENTO

Dentro do tratamento da gota não é suficiente apenas rebaixar a uremia, pois um grave problema em potencial é aumentar o contato dos rins com quantidades excessivas de ácido úrico, o que levaria o paciente à condição de nefropatia gotosa. Sendo assim convém considerar os pacientes como hipo ou hipersecretores, sendo que a secreção urinária de ácido úrico não deve exceder 600 mg na urina de 24 horas. Caso o paciente seja hipersecretor o medicamento de escolha deverá ser o alupurinol, pois irá reduzir a formação de ácido úrico no sangue. Caso o paciente seja hiposecretor de ácido úrico, como ocorre na maioria dos casos, deverão ser utilizados os uricosúricos.

O Alopurinol é prescrito na forma de comprimidos e em dose de 100 e de 300 mg. É um anti-hiperuricêmico. A formação do ácido úrico é dependente da conversão da hipoxantina à xantina e por fim no ácido úrico.  O alopurinol tem atividade de inibição da xantina oxidade, enzima responsável pela oxidação da hipoxantina em xantina, inibindo assim a formação de ácido úrico a nível plasmático e renal. Isso é possível porque a ligação do alupurinol com a xantina oxidase é 15 vezes mais forte que a hipoxantina. Concomitantemente possui o efeito de acelerar a captação da xantina e hipoxantina para a fabricação de ácidos nucleicos.

Tanto o alopurinol, quanto seu metabólito – oxipurinol – são ativos, embora o metabólito tenha menor efeito e maior tempo de meia vida. Dentre dois ou três dias de uso alcança-se redução máxima dos níveis de ácido úrico, mas é necessário tatear a administração para evitar efeitos adversos.

É necessário tatear a dose, pois as modificações rápidas de ácido úrico no sangue podem precipitar crises dolorosas nada discretas. Inicia-se com 100 mg ao dia e solicita-se o exame de ácido úrico sérico no quarto dia. Caso não haja redução a dose pode ser aumentada. 100 a 200 mg são prescritos para níveis discretos de ácido úrico sérico. 300 a 600 mg para doses moderadas e de 700 a 900 mg para níveis graves. Lembrando que não é justificado o início do tratamento medicamentoso na presença de sintomas. Até esse momento a terapêutica é realizada apenas a base de dietas com restrição de purinas – encontradas nas carnes, defumados, linguiças, sardinha, frutos do mar, soja, anchova e ervilha. Alimentos ricos em vitamina C também devem ser ingeridos moderadamente, pois a acidificação da urina facilita a formação dos cálculos de urato, que estarão mais concentrados nas via renal. Essa mesma justificativa vale para maior ingesta de água.

Apenas pequena porção dessa medicação é ligada a proteínas plasmáticas e por isso sua eliminação é eminentemente renal, o que demanda que em pacientes nefropatas a dose deve ser diminuída.  É contra indicada em gestantes. Nas crianças raramente é indicada, mas se for a dose é de 10 a 20 mg/Kg até a dose de 400 mg diária. No paciente nefropata a dose deve ser de 100 mg, mas com o cuidado de manter os níveis de oxipurinol sérico em 15 micromol/litro. Se o paciente faz diálise a dose é de 300 a 400 mg sempre após a diálise sem doses intermediárias.



Resumo da prescrição:

 Alopurinol ________100mg__________  01 caixa
Uso: 01 comprimido ao dia após o almoço.
OBS: tomar bastante líquido durante o tratamento, não menos que 2 litros ao dia.

O alopurinol jamais deve ser introduzido durante as crises. Nesse caso o ideal é iniciar com colchicina, um fármaco anti-inflamatório específico para tais casos. O mecanismo farmacológico deste medicamento não é completamente esclarecido, mas acredita-se na diminuição da migração de leucócitos e fagocitose, diminuindo a produção de ácido lático – consequentemente dificulta a formação dos cristais de urato – e formação de outros agentes pró-inflamatórios, tais como a interleucina-6. É importante estar atento ao fato de que esse medicamento não reduz os níveis de ácido úrico, apenas a sensação dolorosa secundária.

A posologia diária durante a crise de dor varia entre 4 e 10 mg, já para a prevenção a dose é bem menor. Para os adultos a dose deve ser de 01 comprimido de 0,5 mg de 24/24 horas a 8/8 horas dependendo da resposta. Na crise aguda uso pode ser prescrito a dose de momento de 0,5 mg a 1,5 mg, seguindo com 01 comprimido de 0,5 mg 1/1 hora  ou 2/2 horas até controle dos sintomas, sendo que a dose máxima por dia não deve ultrapassar 10 mg. Os pacientes crônicos podem fazer uso por três meses ou mais a depender do critério médico, mas na presença de diarreia o medicamento deve ser suspenso, pois ele próprio pode ser a causa.

Exemplo clássico de uricosúrico é a narcaricina. Ele inibe a reabsorção do ácido úrico a nível de túbulo próximal e normaliza os níveis séricos de ácido úrico em aproximadamente uma semana. A redução dos tofos gotosos é exponencial, e após tal evento as crises de dores não costumam mais ocorrer.

Os comprimidos de narcaricina são apresentados em comprimidos sulcados na dose de 100 mg, assim como o alopurinol. O medicamento deve ser prescrito para uso de um comprimido após o café da manhã. Essa dose já normaliza os níveis após a primeira semana. Caso seja necessária uma intervenção agressiva pode-se prescrever dois comprimidos, mas essa é uma conduta questionável, pois como dito antes, as modificações mais rápidas dos níveis de ácido úrico no sangue pode precipitar as crises dolorosas.


Exemplo de prescrição:
 Colchicina ________0,5mg__________  01 caixa
Uso: 01 comprimido V. O. 8/8 horas.
OBS: não ingerir bebidas alcóolicas.



Exemplo de prescrição:
 Narcaricina ________100mg__________  01 caixa
Uso: 01 comprimido ao dia após o café da manhã.

           Em relação à dieta é necessário restringir a ingesta de carnes vermelhas, enlatados e sementes em geral, tais como a linhaça e os demais alimentos citados aqui. É salutar que a paciente seja avaliada por nutricionista e educador físico para alcançar a redução do peso. É muito importante a redução da ingesta de bebidas alcoólicas. Se possível não ingerir em nenhuma quantidade. Dentre todas as bebidas a mais agressiva para esses casos é a cerveja e a menos agressiva é o vinho.


REFERÊNCIAS
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

BULAS DOS CITADOS MEDICAMENTOS