terça-feira, 3 de dezembro de 2013

CONSTIPAÇÃO INTESTINAL E SEUS ATORES

NOÇÕES DA ANATOMIA DO INTESTINO GROSSO



O intestino grosso  (figura 01) é composto por ceco, cólons, apêndices, reto e canal anal. As três faixas concentradas de músculos ao longo dos cólons são as tênias, que são três. Os cólons tem um formato semelhante a pregas, formando sáculos, e ao longo desses existem acúmulos de gordura, que se constituem nos apêndices omentais.

A primeira parte do intestino grosso, bem à altura da fossa ilíaca direita está o ceco, que se constitui num fundo de saco, continuado pelo cólon ascendente. O ceco é relativamente móvel, sendo preso à parede abdominal pelas pregas cecais. Na sua face póstero-lateral surge o apêndice vermiforme, o local de instalação da apendicite. O ceco é suprido pela artéria ileocólica, que é um ramo da artéria mesentérica, e esta sendo um ramo da aorta abdominal. Juntamente com as artérias apendiculares, cólicas direita e esquerda, todas provém dessa mesma artéria.  O ceco ainda serve de desembocadura do intestino delgado através da papila ileal.

O cólon é descrito em quatro porções, que são o cólon ascendente, transverso, descendente e sigmoide. O ascendente vai do ceco até o lobo direito do fígado. O cólon transverso tem aproximadamente 45 cm e vai até o baço. O cólon descendente vai até a fossa ilíaca esquerda, continuando com uma curva que forma o cólon sigmoide, este possuindo aproximadamente 40 cm e sendo contínuo ao reto. No reto existe um dos esfíncteres que controlam a defecação, o esfíncter anal externo, composto de musculatura estriada e por isso de contração voluntária, ao contrário do esfíncter anal interno, localizado na junção entre o reto e o cólon sigmóide, que é composto de musculatura lisa e controlado subconscientemente. O esfíncter interno é controlado pelo complexo mioentérico e o externo é controlado através do nervo pudendo.

O suprimento nervoso do cólon descendente e sigmoide é proveniente da porção lombar do tronco simpático do plexo hipogástrico superior. O nervo vago participa da estimulação parassimpática no cólon ascendente e transverso. Por toda a extensão do intestino grosso existe uma extensa rede de linfonodos, a exemplo dos cólicos esquerdos e direitos, pré-cecais e epicólicos, que participam da função imune do órgão.









O REFLEXO DA DEFECAÇÃO

O reto se mantém, na maior parte do tempo, como um espaço virtual (fechado).  Isso ocorre porque além dos esfíncteres já citados e a curvatura do sigmoide dificultam a passagem do bolo fecal, e assim as fezes se acumulam inicialmente até o cólon descendente. Na medida em que essa ultima porção vai ficando abarrotada de fezes, essas vão “transbordando” para o reto até causar sensibilização retal, o que culmina em relaxamento dos esfíncteres (anais interno e externo) e por fim o indivíduo defeca conscientemente.

Para que ocorra a defecação dois reflexos são ativados: intrínseco e parassimpático. Na medida em que o reto vai sendo preenchido por fezes, sua distensão envia sinais pelo plexo mioentérico, o que desencadeia movimentos peristálticos. Quanto maior a distensão, maior é a quantidade de sinais aferentes e por isso maior os movimentos peristálticos que impulsionam o bolo fecal para frente. Mas apenas esse reflexo não é suficiente para a defecação, pois o esfíncter anal externo, só relaxa conscientemente.

O reflexo de defecação parassimpático é estimulado conscientemente, levando sinais até a medula que são devolvidos ao cólon descendente, sigmoide, reto e ânus. Eles aumentam o peristaltismo e relaxam o esfíncter interno, o que possibilita o esvaziamento desde o cólon descendente até o ânus. Para isso o indivíduo inicia uma inspiração profunda, fechamento da glote, contração dos músculos abdominais e relaxamento das estruturas pélvicas. Isso faz com que o bolo fecal seja impulsionado para a frente.


INFLUÊNCIA DA DIETA NO RITMO INTESTINAL

É óbvio que uma alimentação variada, juntamente com exercícios físicos são a chave para ter um ritmo intestinal diário. Mas a despeito de qualquer dieta, é imperante que os alimentos contemplem a ingesta de fibras e de bactérias benéficas, tais como o bifidobacterium, que entram em competição com outras bactérias e não permite o crescimento das patogênicas.

As fibras alimentares tem a capacidade de reter o trânsito alimentar no estômago para dar tempo para a quebra do alimento em partículas menores, possibilitando maior absorção em menor tempo – quando o alimento alcança o intestino – sem condicionar à constipação. As fibras aumentam o volume fecal através da elevação de água, o que excita o peristaltismo intestinal e fluidifica as fezes para que a defecação ocorra normalmente. Isso acontece porque a sensibilização intestinal é proporcional à distensão de seus músculos, e assim quanto maior o bolo fecal maior a impulsão para externa-lo.

As fibras podem ser solúveis e insolúveis (não são metabolizadas). Todas, a exceção da lignina, pertencem à classe dos carboidratos. As fibras insolúveis tem a capacidade de reter água, e quando a absorvem, fazem o mesmo com agentes cancerígenos, e devido ao fato de fluidificarem as fezes acabam prevenindo hemorroidas, varizes e diverticulite. As fontes são verduras e cereais.

As fibras solúveis têm como principal efeito o aumento do tempo de exposição de alimentos no estômago, ocasionando uma maior digestão e consequentemente uma absorção mais rápida. Ao contrário das fibras insolúveis, estas são metabolizadas e após fermentadas produzem ácidos graxos de cadeia curta. Essa metabolização é rápida, servindo de fonte energética para as células intestinais, suprindo 60 a 70% dessa necessidade. Ela também reduz a oxidação da glicose e preserva os níveis de piruvato e glutamina. Outra ação dessas fibras é a formação de uma película sobre a mucosa do intestino, levando a um atraso na absorção de glicose e gorduras, o que também previne aumentos bruscos na glicemia e aumento geral nas taxas de colesterol.

A fermentação citada anteriormente é ótima para o crescimento dos bifidobacteriuns e lactobacillus, facilitando a regularidade da flora intestinal, pois essas entram em competição com bactérias patogênicas e as impede de crescer a ponto de causar uma condição patológica.


OBSTIPAÇÃO INTESTINAL

Existem a constipação crônica e aguda. Esta última está relacionada basicamente com mudanças de hábitos alimentares, uso de drogas, redução da atividade física, desidratação, doença febril ou até em mudanças de ambiente.

Primeiramente deve-se ater aos critérios para classificação da constipação. É necessário ter dois ou mais dos seguintes sintomas: frequência de evacuações menor de três vezes na semana; mais de um episódio de escape fecal, fezes calibrosas ou palpáveis no abdome; fezes grandes o suficiente para obstruir o vaso sanitário; comportamento fecal de retenção; defecção dolorosa. Estes são os critérios de ROMA III, de 2006, este ainda contendo algumas especificações para pessoas até quatro anos de idade que é sobre a incontinência que é válida somente após a aquisição do controle esfincteriano. Na criança é ainda necessária a ausência de doença metabólica.

É necessário também diferenciar alguns conceitos: incontinência fecal, também chamada de encoprese quando ocorre defecação em local inapropriado, como nas roupas íntimas; a impactação fecal é quando a retenção é tamanha, a ponto das fezes poderem ser percebidas à palpação do abdome; dissinergia do assoalho se refere à incapacidade de relaxar o assoalho pélvico durante o ato de defecar.

Existem subtipos de constipação de acordo com o mecanismo: inércia colônica, quando a motilidade é naturalmente lenta; dificuldade evacuatória, que engloba os casos com dificuldade de relaxamento do assoalho pélvico e constipação funcional, quando há constipação na existência de transito intestinal normal, este último sendo o tipo mais prevalente (59%) seguido de dificuldade evacuatória (25%).  No Brasil a prevalência de crianças com constipação é de 28%, sendo na grande maioria das vezes funcional. As causas mais frequentes nos adultos são co-morbidades neurológicas, polifarmácia, dieta e inatividade física.

A constipação crônica possui diversos motivos nas diversas faixas etárias. Nas crianças estão associadas as lesões no plexo miontérico e nas terminações nervosas durante o período embrionário. Em adolescentes o motivo em mais de metade dos casos é por trânsito intestinal lento. A fisiopatologia que desencadeia alterações no processo de defecação englobam origens bioquímicas e neurais. Pode haver diminuição das células intersticiais de Cajal, levando a uma atonia do cólon ou reto; falha na migração ou diferenciação do plexo mioentérico; falha no relaxamento do esfíncter anal, sensibilidade retal reduzida; e pressão esfincteriana anormalmente aumentada.

As alterações bioquímicas englobam a redução do peptídeo intestinal vasoativo (VIP) e da histidionametionina na musculatura lisa intestinal; aumento do ácido hidroxalaacético no músculo ciliar e no cólon sigmoide, além do aumento da serotonina na mucosa intestinal; queda na liberação da motilina.


CONSTIPAÇÃO CRÔNICA FUNCIONAL

A constipação funcional pode ser dividida em simples ou dietética, e megarreto ou megacólon funcionais. Os diversos estudos que relacionam a atividade física como tratamento ou inatividade física como causa da constipação funcional tem resultados controversos. Um estudo clínico com pacientes acima de 45 anos mantidos com atividade física regular por seis meses não demonstrou melhora. No entanto é certa a relação entre a constipação e a pequena ingesta de fibras. Recomenda-se que no tratamento da constipação funcional simples a ingesta de fibras seja de 0,5g/Kg de peso, podendo chegar ao máximo de 25 gramas por dia.

Quanto mais tempo o bolo fecal permanece no intestino, mais água lhe será absorvida e mais endurecida ficará, o que aumentará a tendência de que os próximos conteúdos fecais também sejam retidos e assim se feche um ciclo vicioso. Isso é a impactação fecal. Quanto mais bolo fecal é retido e mais endurecido ficar, mais doloroso será o ato de defecação. Se esse quadro persiste, haverá dilatação das porções finais do intestino, formando o megarreto e megacólon funcionais, que são condições em que o intestino e reto precisam de uma distensão bem maior para deflagrar o reflexo da defecação. Com essa maior distensão o corpo vai se adaptar e aumentar o limiar de sensibilidade no disparo da motilidade intestinal para a defecação, condicionando tendência à continuação da constipação.


ABORDAGEM TERAPEUTICA

O diagnóstico é realizado através dos critérios de ROMA III já descritos. Depois disso e em se tratando de crianças e de intensidade da impactação fecal, é necessária a investigação, que pode ser realizada com raio-x e hemograma completo, PCR. O raio-x deve ser solicitado nas incidências PA ortostática e decúbito, o que possibilita observar a existência de conteúdo fecal em cólon e reto, além do calibre do cólon descendente. Este último achado é melhor visualizado quando a radiografia é utilizada com contrastes. Pode-se realizar biopsia retal para identificar alterações nervosas nos diversos tecidos.

O tempo de trânsito oro-fecal é analisado com ingestão de hidrogênio expirado com lactose, observando a chegada de lactose no ceco em quantidades acima de 20 ppm.

O tratamento em criança é sempre mais complicado. É necessário ter em mente as questões psicossociais, principalmente nas crianças, pois nelas o medo da dor faz com que o habito intestinal seja ainda mais esparso. O estabelecimento de rotina de evacuação, ou pelo menos tentativa e dieta rica em fibras na dose de 0,5 g/Kg de peso, devem ser mantidos a longo prazo juntamente com grande hidratação. Exercícios físicos devem ser realizados independentes dos resultados controversos.

Para o tratamento da desimpactação o uso de enemas é essencial, mas deve-se saber que pode causar traumas na parede do intestino, além das questões emocionais, que são delicadas. Nos pacientes nefropatias deve-se evitar os enemas fosfatados por conta da hiperfosfatemia e hipocalcemia, que pode até ser fatal. Por isso a via oral é a priorizada. Podem ser utilizadas elevadas doses de polietilenoglicol (Muvinlax) e de óleo mineral, mas esse último deve ser evitado em pacientes menores de dois anos e portadores de refluxo, pois sua aspiração pode causar pneumonia lipídica.

O tratamento direto da impactação pode ser realizado com:

·                    Hidratação maciça, pois uma queda de apenas 10% na quantidade de líquido nas fezes faz grande diferença;
·                    óleo mineral 3 a 5 mg/Kg ao dia pela manhã ou fracionado;
·                    Muvinlax: 1,5 gramas por quilo de peso ou no máximo 100 gramas divididas em 2 vezes ou uma 1 ao dia. É utilizado em pessoas acima de 2 anos ou acima de 12 kg. Cada molécula desse medicamento se liga a 100 moléculas de água, contribuindo por isso para fluidificação das fezes.
·                    Enemas: os enemas glicerinados já vem em preparados, mas pode-se preparar o enema com SF 0,9% e óleo mineral na proporção de 4:1. Mas essa manobra é restrita a casos refratários. Existem ainda enemas à base de soluções fosfatadas, sorbitol e vaselina;
·                    A manutenção pode ser realizada com o próprio muvinlax, na dose de 0,8 g/Kg de peso 1 a 2 x ao dia; hidróxido de magnésio 1 a 3 ml/Kg por dia nas refeições; Lactulona 1 a 3 ml/Kg por dia; sigmalac, na dose de 0,2 a 0,4 ml/Kg por dose. O tratamento de manutenção deve ser realizado por 6 a 24 meses, pois o corpo demora algum tempo para reestabelecer o diâmetro e a sensibilidade do cólon de antes. Com a continuidade da ingesta de fibras os laxantes podem ser retirados sem maiores problemas.

O uso do laxante deve ser alta no início, devendo ser ajustada a partir da resposta do paciente, com retirada gradual, sob o risco de recidiva da impactação. Em se tratando de crianças é muito importante que a criança não seja punida pelo escape fecal. Devido à sensação de fragilidade ocasionada por esse sintoma, além das sensações constrangedoras causadas pelo mesmo, por vezes é necessário apoio psicológico.


REFERÊNCIAS

CHIMOFF, Harvey. Dossiê: fibras alimentares. Revista Food Ingredientes Brasil. N. 3, 2008. Disponível em: http://www.revista-fi.com/materias/63.pdf. (DESTAQUE)

GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de fisiologia médica. ed 12. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011;

MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F. Anatomia Orientada para a Clínica. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001;


LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011;

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