EPIDEMIOLOGIA
Doença infecciosa causada por uma
bactéria espiralada, a leptospira interrogans (figura 01), que possui mais de 200 sorotipos
nas mais diversas virulências. Essa bactéria causa uma septicemia, com agressão
em todos os órgãos do corpo, porém com efeitos deletérios especiais no fígado,
musculatura esquelética, rins, pulmões, sistema nervoso central e coração.
No Brasil são confirmados 3 a 4
mil casos todos os anos, dos quais 10 a 12% dos casos evoluem para a morte do
indivíduo. Infelizmente se conjectura que pouco mais de um terço desses casos
sejam notificados. Das mortes, 70% ocorrem com acometimento das carótidas.
A leptospira possibilita uma alta
probabilidade de infecção por conta de sua sobrevivência dentro e fora do corpo
do animal. Pode sobreviver por meses dentro do túbulo proximal de um animal
infectado até ser excretado pela urina e daí passar mais seis meses no meio
ambiente, em poças d’água. Por conta disso é dez vezes mais frequente na área
urbana e três vezes mais frequente no homem, com pico de incidência entre 30 e
39 anos.
A DOENÇA
A infecção ocorre quando o
indivíduo com pele previamente lesionada entra em contato com a leptospira nas
poças d’água, geralmente em períodos chuvosos. No corpo a lesão basal causada
pela bactéria é a nível endotelial disseminada, que causa extravasamento de
líquido intravascular, podendo ser grave o suficiente para levar o indivíduo ao
choque, predominantemente quando o acometimento é pulmonar ou digestivo. Essa
lesão é causada por uma toxina liberada pela bactéria com poder inibitório da
enzima sódio-potássio-adenosinatrifosfatose. O resultado é a perda da
homeostase iônica. Outras formas de lesão ocorrem por reação imune contra a
presença do parasita, pois pacientes com altos títulos de células de defesa
apresentam maior gravidade e maior período de febre. Outra prova é que em
biopsias realizadas nesses pacientes, muitas vezes não são encontrados os
parasitas, mas são encontrados imunoglobulinas específicas. Nesses casos, o
dano tecidual é mais extenso e o choque facilitado.
Nos rins ocorrem lesões de ordem
grave, com necrose epitelial dos túbulos ascendente de Henle e túbulos distais,
mas sem dano glomerular. A porção mais acometida são os túbulos distais, em
geral com as células se tornando tumefeitas e sem microvilos onde deveriam
existir.
No fígado, ao contrário dos rins,
não ocorre necrose epitelial. O efeito é essencialmente a nível de hepatócitos,
podendo ser observado pigmentos biliares no citoplasma, embora esse último achado
ocorra mais em quem é alcóolatra. Outras modificações da estrutura hepática são
a vacuolização no citoplasma, intensa colestase e presença de cilindros
biliares. Na luz dos ductos biliares são encontrados cilindros biliares, que
juntamente com as modificações endoteliais impedem a correta excreção de bile –
que iria para as fezes – causando a icterícia colestásica. É importante então
saber que a icterícia não é causada pela hemólise consequente à leptospirose, e
sim acrescida pela mesma.
A coloração tomada pelo indivíduo
é uma icterícia diferenciada por um tom avermelhado devido à presença de vasos
visíveis, hemácias extravasadas por conta da lesão vascular e impregnação
biliar nos tecidos. Se o paciente cursa com hemoptise, sabe-se que há
comprometimento vascular pulmonar com extravasamento de hemácias, causando, por
sinal, opacificações em imagens ao raio-x que logo somem devido à rápida
absorção do organismo. Se o sangramento for gástrico haverá presença de melena,
por vezes agravando a desidratação e a perfusão renal, pois nesse órgão a
reserva fisiológica estará diminuída devido aos pontos de necrose.
O edema miocárdico aumenta as dimensões do coração e modifica o
traçado do eletrocardiograma. A inflamação consequente à presença de
leptospiras causa distúrbios de condução, mas esse achado é clinicamente pouco
referido. Essa inflamação acomete a aorta em 60% dos casos, podendo ainda
alcançar a leptomeninge.
Segundo Antônio Carlos Lopes
existem quatro fases para essa doença: há um período de incubação de 2 a 20 dias,
quando começam as lesões; segue a fase septicêmica, quando
surgem os sintomas, entre o 7° e o 12° dia, geralmente de início abrupto e duração
de 3 a 7 dias. O paciente pode apresentar febre, rigidez de nuca, mialgia
predominantemente em panturrilhas, calafrios, dor torácica, cefaleia de
diversas intensidades e prostração. 10% dos pacientes apresentam a doença de
Well, caracterizada por febre, hemorragias, insuficiência renal e/ou disfunção
neurológica. Em quase 100% dos pacientes a febre fica entre 38 e 40 graus, 40 a
100% apresentam a sufusão conjuntival – infiltração de líquidos orgânicos por
lesão vascular. Em 80% dos casos há hepatomegalia, esplenomegalia em 15 a 25%,
sinais meníngeos em 12 a 40%, dor abdominal difusa em 5 a 30%, icterícia em 10%
e lesão em tórax com potencial de evolução para urticária e mácula de 7 a 9%
dos casos. Esse eritema pode chegar até 5 cm na área anterior da tíbia e caracteriza
a febre de Forte Braag.
50% dos pacientes com
leptospirose cursam com remissão dos sintomas uma semana após a resolução do
primeiro quadro, e após meses a anos pode surgir a uveíte. Se a mulher for
infectada durante a gravidez ela pode evoluir com aborto espontâneo. As
crianças que sofrem da transmissão vertical não apresentam sequelas e são
tratadas normalmente.
Logo depois da fase de septicemia
segue a fase de convalescência, com defervecência por um a
dois dias, quando então a febre recrudesce, porém não tão alta. Esse é o período
imune, com duração de 4 a 30 dias, ocasionando diminuição da
leptospiremia e excreção das bactérias pela urina.
Clinicamente a leptospirose ainda
pode ser classificada em ictérica e anictérica. A anictérica engloba
90% dos casos, raramente apresentando comprometimento pulmonar e de baço. É
mais comum sinais de irritação meníngea e seus sintomas, tais como a rigidez
nucal, confusão e delírio. Apresenta sedimentação urinária e alterações de
volume, mas não é comum a insuficiência renal.
A forma ictéria é mais grave,
cursando com hemorragias, disfunção renal por necrose tubular, alterações
hemodinâmicas, cardíacas, pulmonares e de consciência. Essa icterícia
com tom diferente é chamada de rubínica, tendendo para a cor
laranja pela mistura do amarelo e azul. O abdome é doloroso à palpação e as
alterações hemodinâmicas podem evoluir para o choque. A taxa de letalidade
varia entre 5 e 20%.
DIAGNÓSTICO
Exames de urina podem
apresentar tanto a proteinuria, como presença hemática discreta, além de
piúria. Nos pacientes com insuficiência renal a uréia dificilmente excede os
100 mg/dl e a creatinina não ultrapassa 8 mg/dl. Solicita-se ALT e
AST, que juntamente com a fosfatase alcalina vão estar muito
aumentadas, porém apenas nos paciente ictéricos. Alterações no Gama-GT também
são identificadas. Solicita-se a bilirrubina total e frações,
esperando-se haver predomínio da bilirrubina conjugada. CK-MM
vai estar aumentada em 50% dos pacientes. Ao hemograma pode ser
encontrado trombocitopenia, anemia (lembrar da hemólise) e leucocitose.
O exame
do LCR identifica uma presença de pleocitose abaixo de 500/mm cúbico,
o que ajuda a diferenciar de meningite viral, pois esse vai ser o limite mínimo
para tal. Ajuda também a diferenciar pela normal quantidade de glicose e
proteína levemente elevada.O raio-x demonstra presença
nodulares, por vezes em estado de aglomeração. Ao ECG, encontra-se o
bloqueio atrioventricular de primeiro grau e alterações compatíveis com
pericardite.
O diagnostico clínico na ausência
de icterícia é complicado pela semelhanças com outras patologias. Uma das confusões mais comuns é com hepatite,
mas com a solicitação do CK-MM e o histórico com presença de exposição à poças
d’águas pode ajudar. O resultado do teste de microaglutinação,
demonstrando a presença de anticorpos quatro vezes maior aos antígenos dos 21
sorotipos mais comuns da leptospira, fecha o diagnóstico. A gasometria
também vai estar alterada, com presença de acidose metabólica.
TRATAMENTO
Caso o tratamento seja iniciado
dentro dos quatro dias após o início dos sintomas a resposta é ideal.
Entretanto, isso dificilmente é alcançado devido à dificuldade de diagnóstico
ou muitas vezes pela demora para diferenciar de outras patologias. O tratamento
é realizado a base de comprimidos de doxicilina 100 mg via oral, utilizados
duas vezes ao dia por sete dias, mas é preciso se ater ao uso não indicado para
gestantes. Pacientes alérgicos às tetraciclinas também não podem fazer uso.
É recomendado a grande ingesta
líquida durante o uso desse medicamento devido à irritação gástrica, que, caso
ocorra, demanda a ingesta de leite logo após a administração. Em crianças acima
de 50 quilos a dose é de 2 mg por quilo de 12 em 12 horas e a metade da dose
nos dias seguintes. No geral, para o uso da doxicilina, é recomendado a dose de 200 mg no primeiro dia e de 100 mg no até o sétimo dia, sempre
utilizado de 12 em 12 horas. A penicilina pode ser usada a partir do nono
dia de evolução da doença, na dose de 1,5 milhão de unidades, intravenosa de seis
em seis horas durante sete dias.
Ampicilina também pode ser usada na dose de 1 grama via oral de 4 em 4
horas, também por sete dias. Após o sétimo dia não faz mais sentido o uso
de antibióticos, em decorrência do paciente já se encontrar na fase imune.
Caso o paciente apresente sinais
de hipoperfusão – icterícia evidente, insuficiência renal e comprometimento pulmonar
– deve ser instalado na unidade de terapia intensiva. Caso ocorra hemorragia
digestiva devem ser prescritas dietas parenterais. Se não ocorrer e o paciente
tiver em uso de sonda nasogástrica, verificar o retorno da sonda para certificar
a presença ou ausência de sangramentos. Caso ocorra plaquetopenia abaixo de
50.000/mm cúbico prescrever o concentrado de plaquetas.
Simplificadamente, caso o
paciente apresente alguns dos seguintes sinais: icterícia, dispneia,
taquipnéia, oligúria, fenômenos hemorrágicos, hipotensão, alterações no nível
de consciência, vômitos frequentes e arritmias, considere-o como potencialmente
grave.
Por fim, as medidas corretivas da
desidratação, da insuficiência renal e da hemorragia não devem ser dispensadas.
PREVENÇÃO
A prevenção não deve ser
concentrada no meio ambiente devido à grande quantidade de espiroquetas eliminadas
pelos animais tornar inviável essa manobra. Deve-se então concentrar em
eliminar o contato direto das mucosas e pele com a água contaminada através do
uso de botas, óculos e aventais para os trabalhadores mais expostos, tais como
os funcionários de abatedouros. Caso o indivíduo planeje um período curto de
exposição, tais como soldados de exércitos em áreas endêmicas, pode se fazer
uso de doxicilina na dose de 200 mg via oral tomada uma vez na semana. Essa
manobra tem eficácia de 95%, mas não se deve esquecer o risco de
desenvolvimento de resistência.
REFERÊNCIA
LACERDA, Marcus Vinícius Guimarães; MOURÃO, Maria Paula
Gomes. Leptospirose. Acessado em: http://www.fmt.am.gov.br/manual/leptos.htm
Disponível em 12 de julho de 2013.
NEVES, David Pereira. Parasitologia Humana. 11 ed. São
Paulo: Atheneu, 2004.
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed.
São Paulo: Rocca, 2011.