domingo, 14 de julho de 2013

LEPTOSPIROSE

EPIDEMIOLOGIA

Doença infecciosa causada por uma bactéria espiralada, a leptospira interrogans (figura 01), que possui mais de 200 sorotipos nas mais diversas virulências. Essa bactéria causa uma septicemia, com agressão em todos os órgãos do corpo, porém com efeitos deletérios especiais no fígado, musculatura esquelética, rins, pulmões, sistema nervoso central e coração.

No Brasil são confirmados 3 a 4 mil casos todos os anos, dos quais 10 a 12% dos casos evoluem para a morte do indivíduo. Infelizmente se conjectura que pouco mais de um terço desses casos sejam notificados. Das mortes, 70% ocorrem com acometimento das carótidas.

A leptospira possibilita uma alta probabilidade de infecção por conta de sua sobrevivência dentro e fora do corpo do animal. Pode sobreviver por meses dentro do túbulo proximal de um animal infectado até ser excretado pela urina e daí passar mais seis meses no meio ambiente, em poças d’água. Por conta disso é dez vezes mais frequente na área urbana e três vezes mais frequente no homem, com pico de incidência entre 30 e 39 anos.

FIGURA 01: imagem micrográfica do Leptospira interrogans.



A DOENÇA

A infecção ocorre quando o indivíduo com pele previamente lesionada entra em contato com a leptospira nas poças d’água, geralmente em períodos chuvosos. No corpo a lesão basal causada pela bactéria é a nível endotelial disseminada, que causa extravasamento de líquido intravascular, podendo ser grave o suficiente para levar o indivíduo ao choque, predominantemente quando o acometimento é pulmonar ou digestivo. Essa lesão é causada por uma toxina liberada pela bactéria com poder inibitório da enzima sódio-potássio-adenosinatrifosfatose. O resultado é a perda da homeostase iônica. Outras formas de lesão ocorrem por reação imune contra a presença do parasita, pois pacientes com altos títulos de células de defesa apresentam maior gravidade e maior período de febre. Outra prova é que em biopsias realizadas nesses pacientes, muitas vezes não são encontrados os parasitas, mas são encontrados imunoglobulinas específicas. Nesses casos, o dano tecidual é mais extenso e o choque facilitado.

Nos rins ocorrem lesões de ordem grave, com necrose epitelial dos túbulos ascendente de Henle e túbulos distais, mas sem dano glomerular. A porção mais acometida são os túbulos distais, em geral com as células se tornando tumefeitas e sem microvilos onde deveriam existir.

No fígado, ao contrário dos rins, não ocorre necrose epitelial. O efeito é essencialmente a nível de hepatócitos, podendo ser observado pigmentos biliares no citoplasma, embora esse último achado ocorra mais em quem é alcóolatra. Outras modificações da estrutura hepática são a vacuolização no citoplasma, intensa colestase e presença de cilindros biliares. Na luz dos ductos biliares são encontrados cilindros biliares, que juntamente com as modificações endoteliais impedem a correta excreção de bile – que iria para as fezes – causando a icterícia colestásica. É importante então saber que a icterícia não é causada pela hemólise consequente à leptospirose, e sim acrescida pela mesma.  

A coloração tomada pelo indivíduo é uma icterícia diferenciada por um tom avermelhado devido à presença de vasos visíveis, hemácias extravasadas por conta da lesão vascular e impregnação biliar nos tecidos. Se o paciente cursa com hemoptise, sabe-se que há comprometimento vascular pulmonar com extravasamento de hemácias, causando, por sinal, opacificações em imagens ao raio-x que logo somem devido à rápida absorção do organismo. Se o sangramento for gástrico haverá presença de melena, por vezes agravando a desidratação e a perfusão renal, pois nesse órgão a reserva fisiológica estará diminuída devido aos pontos de necrose.

O edema miocárdico aumenta as dimensões do coração e modifica o traçado do eletrocardiograma. A inflamação consequente à presença de leptospiras causa distúrbios de condução, mas esse achado é clinicamente pouco referido. Essa inflamação acomete a aorta em 60% dos casos, podendo ainda alcançar a leptomeninge.

Segundo Antônio Carlos Lopes existem quatro fases para essa doença: há um período de incubação de 2 a 20 dias, quando começam as lesões; segue a fase septicêmica, quando surgem os sintomas, entre o 7° e o 12° dia, geralmente de início abrupto e duração de 3 a 7 dias. O paciente pode apresentar febre, rigidez de nuca, mialgia predominantemente em panturrilhas, calafrios, dor torácica, cefaleia de diversas intensidades e prostração. 10% dos pacientes apresentam a doença de Well, caracterizada por febre, hemorragias, insuficiência renal e/ou disfunção neurológica. Em quase 100% dos pacientes a febre fica entre 38 e 40 graus, 40 a 100% apresentam a sufusão conjuntival – infiltração de líquidos orgânicos por lesão vascular. Em 80% dos casos há hepatomegalia, esplenomegalia em 15 a 25%, sinais meníngeos em 12 a 40%, dor abdominal difusa em 5 a 30%, icterícia em 10% e lesão em tórax com potencial de evolução para urticária e mácula de 7 a 9% dos casos. Esse eritema pode chegar até 5 cm na área anterior da tíbia e caracteriza a febre de Forte Braag.

50% dos pacientes com leptospirose cursam com remissão dos sintomas uma semana após a resolução do primeiro quadro, e após meses a anos pode surgir a uveíte. Se a mulher for infectada durante a gravidez ela pode evoluir com aborto espontâneo. As crianças que sofrem da transmissão vertical não apresentam sequelas e são tratadas normalmente.

Logo depois da fase de septicemia segue a fase de convalescência, com defervecência por um a dois dias, quando então a febre recrudesce, porém não tão alta. Esse é o período imune, com duração de 4 a 30 dias, ocasionando diminuição da leptospiremia e excreção das bactérias pela urina.

Clinicamente a leptospirose ainda pode ser classificada em ictérica e anictérica. A anictérica engloba 90% dos casos, raramente apresentando comprometimento pulmonar e de baço. É mais comum sinais de irritação meníngea e seus sintomas, tais como a rigidez nucal, confusão e delírio. Apresenta sedimentação urinária e alterações de volume, mas não é comum a insuficiência renal.

A forma ictéria é mais grave, cursando com hemorragias, disfunção renal por necrose tubular, alterações hemodinâmicas, cardíacas, pulmonares e de consciência. Essa icterícia com tom diferente é chamada de rubínica, tendendo para a cor laranja pela mistura do amarelo e azul. O abdome é doloroso à palpação e as alterações hemodinâmicas podem evoluir para o choque. A taxa de letalidade varia entre 5 e 20%.


DIAGNÓSTICO

Exames de urina podem apresentar tanto a proteinuria, como presença hemática discreta, além de piúria. Nos pacientes com insuficiência renal a uréia dificilmente excede os 100 mg/dl e a creatinina não ultrapassa 8 mg/dl. Solicita-se ALT e AST, que juntamente com a fosfatase alcalina vão estar muito aumentadas, porém apenas nos paciente ictéricos. Alterações no Gama-GT também são identificadas. Solicita-se a bilirrubina total e frações, esperando-se haver predomínio da bilirrubina conjugada. CK-MM vai estar aumentada em 50% dos pacientes. Ao hemograma pode ser encontrado trombocitopenia, anemia (lembrar da hemólise) e leucocitose. O exame do LCR identifica uma presença de pleocitose abaixo de 500/mm cúbico, o que ajuda a diferenciar de meningite viral, pois esse vai ser o limite mínimo para tal. Ajuda também a diferenciar pela normal quantidade de glicose e proteína levemente elevada.O raio-x demonstra presença nodulares, por vezes em estado de aglomeração. Ao ECG, encontra-se o bloqueio atrioventricular de primeiro grau e alterações compatíveis com pericardite.

O diagnostico clínico na ausência de icterícia é complicado pela semelhanças com outras patologias. Uma das confusões mais comuns é com hepatite, mas com a solicitação do CK-MM e o histórico com presença de exposição à poças d’águas pode ajudar. O resultado do teste de microaglutinação, demonstrando a presença de anticorpos quatro vezes maior aos antígenos dos 21 sorotipos mais comuns da leptospira, fecha o diagnóstico. A gasometria também vai estar alterada, com presença de acidose metabólica.
FIGURA 02: quadro resumido dos meios de transmissão da leptospirose.

TRATAMENTO

Caso o tratamento seja iniciado dentro dos quatro dias após o início dos sintomas a resposta é ideal. Entretanto, isso dificilmente é alcançado devido à dificuldade de diagnóstico ou muitas vezes pela demora para diferenciar de outras patologias. O tratamento é realizado a base de comprimidos de doxicilina 100 mg via oral, utilizados duas vezes ao dia por sete dias, mas é preciso se ater ao uso não indicado para gestantes. Pacientes alérgicos às tetraciclinas também não podem fazer uso.

É recomendado a grande ingesta líquida durante o uso desse medicamento devido à irritação gástrica, que, caso ocorra, demanda a ingesta de leite logo após a administração. Em crianças acima de 50 quilos a dose é de 2 mg por quilo de 12 em 12 horas e a metade da dose nos dias seguintes. No geral, para o uso da doxicilina, é recomendado a dose de 200 mg no primeiro dia e de 100 mg no até o sétimo dia, sempre utilizado de 12 em 12 horas. A penicilina pode ser usada a partir do nono dia de evolução da doença, na dose de 1,5 milhão de unidades, intravenosa de seis em seis horas durante sete dias.

Ampicilina também pode ser usada na dose de 1 grama via oral de 4 em 4 horas, também por sete dias. Após o sétimo dia não faz mais sentido o uso de antibióticos, em decorrência do paciente já se encontrar na fase imune.

Caso o paciente apresente sinais de hipoperfusão – icterícia evidente, insuficiência renal e comprometimento pulmonar – deve ser instalado na unidade de terapia intensiva. Caso ocorra hemorragia digestiva devem ser prescritas dietas parenterais. Se não ocorrer e o paciente tiver em uso de sonda nasogástrica, verificar o retorno da sonda para certificar a presença ou ausência de sangramentos. Caso ocorra plaquetopenia abaixo de 50.000/mm cúbico prescrever o concentrado de plaquetas.

Simplificadamente, caso o paciente apresente alguns dos seguintes sinais: icterícia, dispneia, taquipnéia, oligúria, fenômenos hemorrágicos, hipotensão, alterações no nível de consciência, vômitos frequentes e arritmias, considere-o como potencialmente grave.

Por fim, as medidas corretivas da desidratação, da insuficiência renal e da hemorragia não devem ser dispensadas.


PREVENÇÃO

A prevenção não deve ser concentrada no meio ambiente devido à grande quantidade de espiroquetas eliminadas pelos animais tornar inviável essa manobra. Deve-se então concentrar em eliminar o contato direto das mucosas e pele com a água contaminada através do uso de botas, óculos e aventais para os trabalhadores mais expostos, tais como os funcionários de abatedouros. Caso o indivíduo planeje um período curto de exposição, tais como soldados de exércitos em áreas endêmicas, pode se fazer uso de doxicilina na dose de 200 mg via oral tomada uma vez na semana. Essa manobra tem eficácia de 95%, mas não se deve esquecer o risco de desenvolvimento de resistência.


REFERÊNCIA

LACERDA, Marcus Vinícius Guimarães; MOURÃO, Maria Paula Gomes. Leptospirose. Acessado em: http://www.fmt.am.gov.br/manual/leptos.htm Disponível em 12 de julho de 2013.

NEVES, David Pereira. Parasitologia Humana. 11 ed. São Paulo: Atheneu, 2004.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.

KO, Albert Icksang et al. Leptospirose: diagnostico e manejo clinico. Brasil, 2009.

terça-feira, 9 de julho de 2013

O COMPLEXO TENÍASE/CISTICERCOSE

DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA

A teníase é uma parasitose causada por helmintos da classe Cestoda, e desses, os que mais infectam o homem são os da família taenia, especificamente a Taenia solium e Taenia saginata. Esses parasitas se encontram no intestino humano na forma adulta e nos tecidos diversos na forma larvária, tendo como hospedeiros intermediários respectivamente o suíno e o bovino. Essas duas entidades são responsáveis pela teníase propriamente dita e a cisticercose, popularmente chamada de Canjiquinha. Em 1767 Malphigi identificou o agente da cisticercose, em 1786 Werner identificou pela primeira vez que os agentes que infectavam os animais e o homem eram os mesmos. Em 1885 Kuchenmeister provou que o cisticerco – o agente da cisticercose – originava a taenia adulta.

Essa patologia acomete 50 milhões de pessoas no mundo, 400.000 se apresentam sintomáticos e destes 50.000 evoluem para o óbito todos os anos, gerando um custo anual de três a quatro milhões de dólares.


O PARASITA

Tanto a taenia solium quanto a saginata possuem a mesma divisão: escólex, uma pequena dilatação que serve para fixação do cestódeo na mucosa intestinal. Há quatro ventosas para as duas espécies, mas apenas na solium há o rostelo entre as ventosas e uma dupla fila de acúleos em número de 25 a 50; o colo é a zona de crescimento do parasita, podendo ser reconhecido por ser a porção mais delgada; o estróbilo é o que resta, sendo dividido em proglotes, as porções fracionadas do corpo do parasita, podendo prover um comprimento de três metros à Taenia solium e oito metros à Taenia saginata.

As proglotes se dividem em jovens, maduras e grávidas, cada uma evoluindo independentemente das demais, tendo seus próprios órgãos, inclusive os genitais e com produção própria de ovos. Quanto mais distantes do escólex estão as proglotes, mais evoluídas em relação à forma grávida estarão. Quanto mais jovem a proglote, mais tende a ser maior em largura e menor em comprimento, e quando mais distante do escólex mais desenvolvida e comprida, e menos larga estará. A proglote grávida da T. solium, no entanto, é quadrangular e em seu útero guarda em torno de 80 mil ovos, enquanto que a Taenia saginata guarda em torno de 160 mil. Felizmente apenas 50% desses ovos são férteis.

                                                                              FIGURA 01: T. solium


As proglotes da Taenia solium se destacam sempre e número de três a seis, enquanto que na Taenia saginata esse destaque, também chamado de apólise, ocorre individualmente. Eles possuem uma membrana plasmática através da qual se faz todas as trocas de nutrientes, além de um tecido muscular contrátil que expulsa os ovos quando estão no ambiente externo. Revestindo a membrana há o glicocálix, uma junção de glicoproteínas e mucopolissacarídeos, que detém a função de proteger o parasita contra as enzimas do sistema digestório do hospedeiro.

Não se deve confundir os ovos com os cisticercos. Os primeiros são liberados das proglotes e são revestidos de quintina, que lhes provém resistência. O cisticerco está dentro dos tecidos, é constituído de uma vesícula com líquido claro dentro, com um escólex em seu interior e este com quatro ventosas, rostelo e colo. O cisticerco na realidade é a larva da T. solium que dentro dos tecidos passa pelos seguintes estágios de amadurecimento até sua degeneração:

·         vesicular – possui membrana vesicular transparente e o líquido em seu interior é incolor e alcalino, e o escólex está normal. Pode estagnar por tempo indefinido nessa fase devido ao escape da ção do sistema imune, ou até degenerar;
·         coloidal – quando o líquido fica turvo e o escólex começa a ser degenerado;
·      granular – a membrana externa se espessa, há deposição de cálcio e o parasita não é mais viável, já apresentando sinais de calcificação;
·         granular calcificado – o cisticerco diminui de tamanho e é totalmente calcificado.

Como dito antes a forma adulta das duas taenias são encontradas no intestino humano. Já o cisticerco da Taenia solium pode ser encontrado no tecido subcutâneo, muscular, cerebral, no olho de suínos e acidentalmente em humanos e cães. É necessário que haja a infecção de mais de um hospedeiro para que se complete o ciclo biológico das taenias, podendo envolver diversas formas de contaminação como destacado adiante.


CICLO BIOLÓGICO



Dentro do intestino do animal infectado as taenias sofrem apólise, que é o desprendimento das proglotes, de três a seis para a T. solium e 1 para a T. saginata. Normalmente os ovos são liberados apenas quando as proglotes chegam ao meio externo, mas ocasionalmente durante a apólise essas estruturas podem se lesionar durante a separação, com isso liberando os ovos para o meio intestinal. Quando as proglotes alcançam o meio externo dois eventos deflagram a soltura dos ovos: primeiro o tecido muscular dessas estruturas se contrae; segundo, decomposição de suas estruturas, determinando uma fragilidade que permite à contração muscular expulsar os ovos. Daí, se munidos de luminosidade e luz solar eles irão sobreviver por meses até que um suíno ou bovino os ingira.


FIGURA 02: Taenia spp.


A parte externa do ovo é chamada de embriósforo e possui uma estrutura a base de quintina que se desfaz quando entra em contato com a pepsina no estômago do hospedeiro após sua ingestão. O parasita propriamente dito fica no interior do ovo e é chamado de oncosfera. Este é ativado quando entra em contato com os sais biliares, e a partir daí migra para as vilosidades, onde se fixa e penetra através de uma estrutura chamada de acúleo. Depois de penetrarem nas vilosidades as oncosferas se mantém ali por cerca de quatro dias até se adaptarem às condições particulares do hospedeiro, até que alcançam veias e linfáticos e adentram na corrente sanguínea. Percorrendo os vasos eles podem alcançar qualquer local do corpo, sendo bloqueados por conta do pequeno calibre das vênulas, local onde se fixam e da mesma forma que adentraram pelas vilosidades, eles adentram nos tecidos. Daí se transformam numa vesícula que contém o escólex, o colo e um estróbilo rudimentar imersos num líquido opaco, constituindo assim um cisto, ou por assim dizer, o cisticerco.

Os locais de melhor adaptação das oncosferas são os tecidos de melhor oxigenação, tais como os músculos e cérebro, mas ainda podem ser encontrados no fígado, rins, mamas, ovários, pâncreas, baço, pulmões, pleuras e tireóide. Nos músculos as oncosferas sobrevivem por meses, mas se forem provenientes da T. solium e se instalados no tecido cerebral, eles vão sobreviver por até 10 anos. Dentro dos tecidos as oncosferas perdem os acúleos e se transformam em cisticercos ao fim de quatro a cinco meses. Caso o homem ingira carne crua ou mal cozida de animais que passaram pelas fases citadas ele irá se infectar. Com frequência o cisticerco se deposita no sistema nervoso central (SNC), principalmente no encéfalo. Também pode ser encontrado no olho, logo abaixo da retina, e quando instalado nesse local, os parasitas podem atém ser observados.

Dentro do intestino do homem o cisticerco se evagina e dá origem ao escólex e evolui para a forma adulta em poucos meses, com soltura de proglotes no já terceiro mês, vivendo por três anos no caso da T. saginata e por dez no caso da T. solium.

Quando o hospedeiro definitivo, o homem, evolui com teníase, ele se infectou via ingesta de carnes contaminadas. Já em relação à contaminação com os vos os possíveis mecanismos são: priminfecção ou infecção pelo próprio indivíduo, ocorrendo através das mãos contaminadas pelos ovos da taenia que se encontra no próprio intestino do indivíduo, ou pode ocorrer por coprofagia, ao qual pacientes psiquiátricos são suscetíveis; ingesta de água e alimentos contaminados; vômitos ou por movimentos retroperistálticos, pois podem levar a uma ascensão dos ovos que estavam no intestino para o estômago e assim iniciar outro mecanismo através da ativação pela pepsina, como descrito antes.






FIGURAS 03 E 05: Ciclos biológicos das taenias.

ENVOLVIMENTO DO SISTEMA IMUNOLÓGICO

Primeiramente há um aumento de linfócitos T e B, mas na realidade o aumento dos linfócitos T é restrito aos T CD8+, mediados via sinalização pelo Th1, que se agregam aos parasitas para facilitar a identificação como no-self. O aumento dos eosinófilos ocorre tanto no sangue, quanto no LCR, se elevam também os níveis de interleucina 2 e interferon gama, além da elevação das imunoglobulinas IgM, E, A e D no soro de indivíduos com neurocisticercose (NCC).  Nesse último caso há predominância de IgM específico para cisticercos.


                                                                                  FIGURA 05: Ovos da Taenia spp.


Mesmo diante da presença de diversos eventos inflamatórios, o cisticerco ainda é capaz de driblar os mecanismos de defesa, pois as oncosferas induzem a resposta inflamatória, mas o tempo necessário para que esta se torne eficaz é o mesmo necessário para que a oncosfera passe para a forma vesicular, que detém a capacidade de escape humoral. Isso se dá através da ação da paramiosina, inibidora da molécula do complemento C1q, da ação da taenistatina ao inibir as vias clássicas e alternativas do sistema de complemento, e dos polissacarídeos sulfatados que possuem a capacidade de desviar a atenção do sistema imune, indo ativá-lo em outros locais longe do parasita.

O cisticerco em si não produz grandes consequências. O problema é a reação inflamatória reincidente na fase granular, e normalmente apenas quando o cisticerco se encontra no olho e no SNC, o qual apresenta um destino de 79 a 96% de todos os cisticercos. Em se tratando de olho, o parasito se desloca pelos vasos da coronóide, se instala na retina e daí perfura até atingir o humor vítreo, deixando-o opaco, causando ainda uveíte, sinéquias posteriores da íris, pantoftalmia e até desorganização do olho com consequente perda necessidade de retirada do órgão.

No SNC são produzidos sintomas basicamente por conta da compressão nervosa, obstrução do fluxo de LCR e consequente aumento da pressão intracraniana, e pelo processo inflamatório consequente à presença do cisticerco no tecido, que ocorre predominantemente a partir da sua degeneração. Os sintomas deste último processo são encefalite focal, edema, vasculite, ruptura de membrana hematoencefálica, que se traduzem na seguinte clínica: crises epilépticas, síndrome da hipertensão intracraniana, cefaleia, meningite, distúrbios psíquicos e mais raramente síndrome medular.

Quando os cisticercos se localizam nos ventrículos eles elevam a gravidade, pois o índice de mortalidade da hidrocefalia consequente a este evento é de 50%, enquanto que no geral a mortalidade da neurocisticercose varia de 16,4 a 25,9%.  Outros sintomas incluem dores abdominais, dores de cabeça, perda de peso, alterações de apetite, enjoos, perturbações nervosas, irritação, fadiga e insônia.


DIAGNÓSTICO

Pode ser realizado pela pesquisa de anticorpos no sangue periférico e LCR, e exames de imagem. A tomografia e a pesquisa no LCR são considerados os melhores métodos para identificar a neurocisticercose, no entanto, quando os cisticercos estão nos ventrículos, a ressonância nuclear magnética é mais sensível, porém não demonstra microcalcificações. O parasitológico de fezes possibilita a identificação dos ovos das duas taenias.

A forma ativa da neurocisticercose apresenta positividade para “IgG, IgM, IgA e IgE para taeníase”. A sensibilidade varia entre 88,5% e 93,2%. O raio-x somente mostra imagens de cisticercos calcificados.


TRATAMENTO

Para as crises epilépticas pode ser utilizado a fenitoína, porém tendo o cuidado de ajustar a dose individualmente e se atentar para as interações medicamentosas, que são muitas, principalmente para outros indutores de enzimas hepáticas como o paracetamol. A dose inicial é de 100 mg três vezes ao dia, devendo esperar sete dias para que se consiga alcançar os efeitos desejados da medicação.

A carbamazepina é prescrita na dose de 100 a 200 mg 1 a 2 vezes ao dia, aumentando a dose lentamente conforme necessidade até se alcançar 400 mg 2 a 3 vezes ao dia. Em crianças a dose é de 10 a 20 mg/kg ao dia. Abaixo de 1 ano a dose é de 100 a 200 mg em dose única, de 1 a 5 anos pode-se prescrever de 200 a 400 mg em duas tomadas, de 6 a 10 anos prescreve-se de 400 a 600 mg por dia em duas a três tomadas.

O tratamento antiparasitário vem substituindo a cirurgia de retirada dos cistos e é feita por meio de praziquantel e albendazol, dos quais o albendazol é o tratamento de primeira escolha. Para a teníase utiliza-se o albendazol na dose de 15mg/Kg/dia por oito dias. Geralmente o comprimido do albendazol é vendido na dose de 400 mg, um comprimido por caixa. Para a neurocisticercose em pacientes com mais de 60 Kg usa-se 400 mg via oral duas vezes ao dia junto com refeições por 8 a 30 dias. Pacientes com menos de 60 Kg usa-se 15 mg/Kg com dose máxima de 800 mg ao dia.

O Praziquantel pode ser utilizado assim como o albendazol, porém, este tem seu efeito diminuído quando utilizado juntamente com indutores enzimáticos do complexo citocromo P450. Então utilizá-lo junto com a carbamazepina ou a fenitoína irá diminuir sua eficácia. A dose é de 5 a 10 mg/Kg de peso corporal em dose única. Não há restrições para seu uso em idosos, porém, em caso de mulheres lactantes, a amamentação somente deve ocorrer 72 horas após o uso da medicação. O Cestox é um exemplo de medicamento à base de praziquantel, com o comprimido em dose de 150 mg.

O tratamento da neurocisticercose é mais complicado. Deve-se dar 60mg/Kg/dia três vezes ao dia por 14 dias, juntamente com prednisona ou prednisolona para apaziguar a reação inflamatória, que é o verdadeiro agente agressor. O comprimido da prednisona pode vir na dose de 5 e 20 mg, devendo fazer uso de no máximo 60 mg diários, ou seja 20 mg 8/8 horas. A prednisolona tem várias apresentações, mas nesse caso pode-se fazer a escolha pela solução 1 mg/ml, com dose máxima semelhante à prednisona, 60 mg/dia, tomadas juntamente com o praziquantel.

Existe ainda outra situação em que o paciente cursa com cisticercose e teníase concomitantemente. Nesse caso é ideal que a teníase seja tratada antes da cisticercose, de preferência com a niclosamida. Exemplo desse medicamento é a atenase, que é apresentado em comprimidos mastigáveis na dose de 500mg. A prescrição deve especificar que o paciente deve fazer uso da medicação em jejum pela manhã, e que no jantar da noite anterior o paciente deve ingerir apenas alimentos líquidos. Nos adultos e crianças acima de oito anos a dose é 2.000 mg ingeridas em duas tomadas com espaço de uma hora. Após o intervalo de uma hora após os dois últimos comprimidos deve-se fazer uso de um purgativo salino. Crianças de dois a oito anos a dose deve ser diminuída pela metade, sendo duas tomadas de 500 mg. Os comprimidos devem ser bem mastigados e engolidos com um pouco de água. Menores de dois anos a dose é meio comprimido, duas doses, também com intervalo de uma hora.


REFERÊNCIAS

NEVES, David Pereira. Parasitologia Humana. 11 ed. São Paulo: Atheneu, 2004.

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2011.

SPINA-FRANÇA, A. Imunologia da cisticercose: avaliação dos aspectos atuais. Arquivos de neuropsiquiatria. v. 27. n. 2. São Paulo, 1969. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/anp/v27n2/07.pdf. Acessado em 09 de julho de 2013. (DESTAQUE)

BARBOSA, Alverne Passos; COSTA-CRUZ, Júlia Maria; SILVA, Simone Almeida e; CAMPOS, Dulcinéa Maria Barbosa.  Cisticercose: fatores relacinados à interação parasito-hospedeiro, diagnóstico e soroprevalência. Ravista de Patologia Tropical. v. 29. n. 1. p: 17-34. Jan/jun, 2000. (DESTAQUE)

Praziquantel. Bula: disponível http://www.medicinanet.com.br/conteudos/biblioteca/2772/praziquantel.htm. Acessado em 09 de julho de 2013.

Albendazol. Bula. Disponível em: http://www.saredrogarias.com.br/medicamentos-genericos/albendazol-400mg-c1-medley. Acessado em 09 de julho de 2013.

A, Manfroi; AT, Stein; ED, Castro filho. Abordagem das parasitoses intestinais mais prevalentes na infância. Projeto Diretrizes. Sociedade Brasileira de Medicina e Medicina. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/8volume/01-abordagem.pdf. Acessado em 09 de julho de 2013.

Atenase. Bula: disponível em: http://www.bulas.med.br/bula/10926/atenase.htm. Acessado em 09 de julho de 2013.