Figura 01: httpwww.cryst.bbk.ac.ukpps97assignmentsprojectscoadwell003.htm
ENTENDENDO A RELAÇÃO ENTRE TRANSPLANTES E INCIDÊNCIA DE NEOPLASIAS
É definitiva a ligação entre transplantados e maior incidência de neoplasias. Nesse sentido a única neoplasia que foge à regra é o câncer de ovário, este possuindo maior incidência na população geral em relação à população de transplantados. Numa pesquisa realizada na escola paulista de medicina da Universidade Federal de São Paulo no período de novembro de 1986 a setembro de 2002, quando 106 pacientes transplantados foram acompanhados, foi identificada uma incidência de neoplasias na ordem de 23% secundários a transplantes de coração, sendo mais frequente o câncer de pele, com 56% do total. É importante notar que segundo o Ministério da Saúde esse é o câncer mais frequente no Brasil. Outro dado importante é que em pacientes transplantados, o câncer de pulmão, assim como o câncer de mama, geralmente apresenta comportamento agressivo, com metástases precoces e consequente aumento da incidência de óbitos.
Segundo o American Journal of Trnasplantation, deve haver uma rotina de acompanhamento dos transplantados por meio de exames, devendo-se solicitar: raio-x de tórax anual, Papanicolau anual, mamografia bianual nas mulheres acima de quarenta anos e acima de cinquenta anos naquelas com menor risco, colonoscopia a partir dos cinquenta anos, com repetição a cada cinco anos, análise anual de próstata através do toque digital e antígeno prostático, além do exame físico rigoroso na busca de lesões cutâneas.
A sociedade Europeia de Cardiologia também descobriu uma associação interessante entre o uso de estatinas e prevenção de câncer em pacientes que receberam transplantes cardíacos. A menor incidência recaiu justamente para os cânceres secundários a transplantes que são os de pele, intestino, próstata e linfomas. A redução do risco alcançou níveis altos, chegando a 65% a menos em relação a pacientes que não fazem uso de estatinas pós-transplante.
A incidência de cânceres na população transplantada mostra para esses um risco até 100 vezes maior, apresentando ainda maior agressividade e malignidade. Esse fato faz do câncer secundário a transplante a terceira maior causa de morte nesses pacientes, ficando aquém das infecções e enfermidades cardíacas. Uma das maiores causas é a infecção por vírus com ativação de proto-oncogene em oncogene, sendo que os mais relacionados são o vírus Epistein-Barr por causar doenças linfoproliferativas, HPV por causar o câncer de colo uterino, o herpes vírus humano tipo oito por causar o sarcoma de Kaposi e os vírus da hepatite B e C relacionadas com o hepatocarcinoma. Para que essas afecções se instalem a idade do paciente transplantado e do doador tem grande peso, pois haverá, nos doadores abaixo de 45 anos, um valor 2,8 menor de incidência do câncer em relação aos doadores entre 46 a 60 anos, e um valor 5 vezes menor em relação aos doadores acima de 60 anos.
Toda essa incidência de neoplasias em transplantados se deve ao uso de imunossupressores, que inativam a ação do sistema imune sobre células tumorais. Em se tratando do papel desse sistema deve-se se ater primeiramente aos aspectos fisiológicos: o organismo exerce o papel de imunovigilância sobre as próprias células, matando células tumorais, ou ao menos realizando uma seleção de células com menor poder carcinogênico, modificando o que deveria ser uma manifestação mais agressiva da neoplasia. O ataque às células neoplásicas se dá em três fases, ocorrendo primeiramente o reconhecimento de células alteradas, liberação de moléculas pró-inflamatórias e apresentação de antígenos pelas células dendríticas em algum linfonodo, o que estimula linfócitos a migrarem para o local onde as células neoplásicas se encontram. A fase seguinte possui duas possibilidades: ou as células tumorais são mortas, ou há uma seleção de células, podendo inclusive ocorrer resistência. Nesse período também há um relativo equilíbrio dinâmico entre as células tumorais e o sistema imune, quando não há progressão nem regressão do tumor até que as células cancerígenas passam a driblar a atividade imune – terceira fase ou fase de evasão – através da liberação de citocinas inibitórias, como a interleucina (IL)-10, e modificações estruturais que culminam na perda dos antígenos e insensibilidade ao interferom-gama. Nessa fase é quando ocorre crescimento considerável do tumor.
O principal mecanismo de controle imune dos cânceres é através da resposta adaptativa via células T com moléculas CD8+ expressas nas superfícies, e sua interação com o complexo maior de histocompatibilidade humana (MHC) de classe I. Assim pode-se inferir que distúrbios da imunidade, como na AIDS, haverá uma maior propensão à ocorrência de carcinomas. O interferon-gama é um exemplo de produto orgânico utilizado no reconhecimento das células tumorais pelo sistema imune, embasando a utilização do seu sintético no tratamento de algumas neoplasias, inclusive alcançando resultados positivos em 16 a 40% dos pacientes. Sua atividade se concentra na ativação de uma molécula citosólica, a TAP 1, que transporta peptídeos até a molécula MHC I para que haja apresentação de peptídeos marcadores da célula como tumoral, possibilitando seu reconhecimento e morte pelos linfócitos. Nas células tumorais a proteína TAP estará inibida e por isso o organismo perde um importante mecanismo de proteção antitumoral.
Todo esse processamento dos antígenos tumorais ocorre dentro das células apresentadoras de antígeno (APCs), como as células dendríticas, que podem, além disso, expressar os mesmos antígenos nas moléculas MHC II para estimular linfócitos T CD4+. Esses linfócitos, por sua vez, estimulam os macrófagos e linfócitos CD8+ através da liberação de TNF e interferom-gama, e ocasionam aumento da expressão das moléculas MHC I e a sensibilidade da célula tumoral à lise. Tais produtos, quando secretados pelos linfócitos T CD4, são chamados de co-estimuladores, pois a atividade antitumoral é indireta.
A imunidade inata também vai agir contra células cancerígenas através das células NK não-dependente de interferon ou de outro mediador compatível. Essas células estão sempre sendo balanceados por sinais estimulatórios e inibitórios via moléculas de MHC, que detém as duas possibilidades. Uma célula somática normal não é atacada porque receptores chamados KIR na célula NK inibem as moléculas MHC quando a ela acoplados, ao contrário da célula neoplásica, onde tais sinais inibitórios estarão bloqueados. É importante notar que a principal via de ataque das células NK é por inibição dos receptores KIR e por isso, quando os linfócitos não conseguem reconhecer as células neoplásicas (escape) por falha do mecanismo envolvendo a apresentação de antígenos via MHC, é a NK quem protegerá o organismo.
As células NK agem liberando perforinas e granzimas que lisam a célula a ser destruída. A perforina cria poros transmembranas e permite a entrada de outros produtos como a água – que mata a célula por entrada excessiva de água – e as granzimas ativam a cascata das caspases e com isso a célula entra em processo de apoptose.
Todas essas informações acima servem para embasar a forma como os imunodepressores irão favorecer o aparecimento de neoplasias, já que o reconhecimento das células tumorais vai estar comprometido. Nesse caso as moléculas TAP, aquelas estimuladas pelo interferon-gama a marcar a célula como tumoral, vão estar inibidas.
Uma relação interessante que pode se fazer com o dia-a-dia é a cerca do dito popular de que quando as pessoas se descobrem portadoras de neoplasias, a evolução é muito rápida. Isso pode ser explicado pelo alto teor de estresse nessas pessoas, culminando em elevados níveis de cortisol e estímulo à imunodepressão e menor atividade imune contra as células neoplásicas. Outra explicação biológica já comprovada nos estados de estresse psicológico crônico é a liberação de catecolaminas que induzem a angiogênese e favorecem a nutrição dos tumores, além da estimulação de receptores betaadrenérgicos que favorecem migração e invasão celular. Lillberg et. al. APUD Athanazio e Torrezini citam pesquisa em que a depressão está relacionada com o aumento duas vezes maior da incidência de câncer de mama.
REFERÊNCIAS
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