A anatomia
vascular da aorta é imperante para a compreensão de sua fragilidade, a qual
propicia a ocorrência do distúrbio de calibre. Existem três camadas: a íntima,
mais interna, composta por células epiteliais; a média, mais espessa, composta
por células de elastina para lhe conferir resistência; e adventícia, mais
externa, composta essencialmente por fibras de colágeno, contendo ainda o vasa vasorum, uma rede de microvasos com
função de nutrição da aorta como um todo.
A aorta é
composta em diversas porções. A ascendente possui 05 cm de comprimento e 03 cm
de largura; na base desta porção existem três seios, os seios de Valsalva, que
são prolongamentos aórticos mais frágeis que adentram o coração e compõem as
cúspides da valva semilunar. A aorta descendente possui 2,5 cm de largura e 20
cm de comprimento; após cruzar o diafragma se torna aorta abdominal – antes
torácica – possuindo 20 cm de comprimento e 2,0 cm de largura.
A aorta não
está sozinha na caixa torácica e nem no abdomem e para suportar a pressão que
surge do coração ela divide a resistência junto uma matriz extracelular
composta por elastina e colágeno. Fatores que diminuem a resistência tanto da
parede da aorta, como das estruturas em que ela se apoia são a base para a
ocorrência dos aneurismas e dissecções.
O aneurisma é
uma dilatação patológica, podendo ser fusiforme quando é simétrica ou sacular
quando a dilatação ocorre em apenas uma das paredes. O aneurisma pode ser
torácico ou abdominal, essa última bem mais comum. No arco aórtico, de onde se
originam as artérias braquiocefálicas é muito incomum. Ocorrem cinco vezes mais
em homens, com prevalência de 03% das pessoas maiores de 50 anos, e os
aneurismas que se iniciam no tórax podem se estender para o abdome ou
vice-versa, criando um aneurisma toracoabdominal.
Dentre os
fatores de risco mais importantes estão o tabagismo e a síndrome de Marfan, uma
doença genética que fragiliza os tecidos conectivos. Acrescenta-se ainda a
hipertensão e dislipidemias, que são comuns a todos os tipos de aneurismas. A
aterosclerose é o principal fator envolvido nos aneurismas abdominais e
torácicos. O aneurisma de aorta infrarrenal é especialmente afetado pela
aterosclerose, mas sabe-se que sua ocorrência é multifatorial. Dentre os
pacientes não portadores da síndrome de Marfan fatores importantes para
aneurisma torácico é a válvula aórtica bicúspide e a síndrome aneurismática
familiar. Causas raras para a região torácica estão as dissecções de aorta, aortite
infecciosa, arterite de grandes vasos e traumas de aorta.
De alguma
forma os fatores de risco se convergem e induzem a produção de enzimas pelo
músculo liso que degradam elastina e o colágeno, enfraquecendo as paredes da
aorta e as estruturas em quais ela se apoia. Na musculatura lisa da aorta
ascendente ocorre a degeneração cística da média, quando a degeneração da
elastina evolui para necrose, ocorrendo especialmente nos portadores da
síndrome de Marfan.
Daí começa a
dilatação e o pesar da chamada lei de Laplace, a qual afirma que quanto maior o
raio do compartimento maior a pressão do líquido sobre suas paredes. Dessa
forma, após ser iniciado, o aneurisma entra num estado onde quanto maior a
fragilidade do vaso, maior sua dilatação e maior é a pressão sobre a parede
arterial retroalimentando o problema.
CLÍNICA
O principal
sintoma do aneurisma de aorta abdominal é a dor em hipogastro, mas pode ocorrer
em tórax ou em região lombar, com ou sem instabilidade hemodinâmica. Existem diversas
intensidades e velocidades de surgimento da dor, sendo súbita apenas quando
ocorre rompimento de aneurisma, que é incomum e extremamente grave, manifestada
como massa pulsante em abdome e hipotensão grave. Fora isso a dor é insidiosa,
arrastada até dias, com referência a sensação como se algo estivesse roendo.
No aneurisma
torácico também haverá dor torácica ou menos frequente nas costas, mas a
compressão de estruturas adjacentes é responsável por diversas complicações,
inclusive o tamponamento cardíaco. Podem surgir sibilos, dispneia, rouquidão,
disfagia e até pneumonia recorrente, além de repercussões vasculares como
hemoptise, insuficiência aórtica e tromboembolismo. Além disso, ocorre ainda hemotórax,
hemomediastino, hemoperitôneo e hematêmese. Os sintomas podem simular um quadro
de colecistite aguda com dor no quadrante superior direito com irradiação para
omoplata e piora ventilatória dependente, nesse caso caracterizando o sinal de
Einstein em homenagem ao cientista Albert Einstein, que morreu de causas aneurismáticas.
Se o
aneurisma afetar a valva aórtica ocorrerá insuficiência cardíaca e compressão
de outras estruturas é motivo para disfonia, insuficiência respiratória, disfagia
e síndrome da veia cava superior – dispneia, a pletora facial e edema
cervicofacial (mais comuns), tosse, edema dos membros superiores, dor torácica
e disfagia.
DIAGNÓSTICO
Aneurisma
torácico não pode ser palpado, mas o abdominal sim. O torácico é visualizado
com a tomografia computadorizada, sendo também exame de escolha para o rastreamento
em pessoas fumantes ou ex fumantes com mais de 65 anos. A radiografia de tórax
identifica o aneurisma torácico por desvio da traqueia, alargamento da silhueta
do mediastino e do arco aórtico. A ecocardiografia transtorácica consegue
visualizar bem a raiz da aorta e por ser usado no rastreamento do pacientes com
síndrome de Marfan.
Os aneurismas
abdominais podem ser identificados pela tomografia computadorizada, mas também
o podem pela ultrassonografia abdominal, que inclusive é muito sensível.
TRATAMENTO
A principal
preocupação no aneurisma é sua ruptura. Aneurismas abdominais com largura de 4,0 cm são bem seguros, com
chance de ruptura de 0,3% ao ano, se 4,0 a 4,9 cm a chance é de 1,5% e de 5,0 a
5,9 é de 6,5%. Contudo com o rompimento do aneurisma a mortalidade é
extremamente alta, chegando a 80% para aqueles que não conseguem chegar ao
hospital e 50% para aqueles que são encaminhados ao hospital. Os aneurismas
torácicos são mais difíceis de romper, mas as chances aumentam muito para
aqueles com mais de 6,0 cm, tendo uma mortalidade total de 76% em 24 horas.
Não há
tratamento clínico eficaz, apenas cirúrgico com a introdução de uma prótese
tubular ao redor dos locais acometidos. Segundo o Cecil, Goldman e Schafer
(2014) aneurismas abdominais com 3,5 a 4,4 cm devem ser monitorizados por
exames de imagens de 12/12 meses na intenção de identificar qualquer
alargamento. Aneurismas de 4,4 a 5,4 o acompanhamento se faz de 6/6 meses. A
partir de 5,5 cm deve ser corrigido, mas caso o pacientes seja portador de
síndrome de Marfan ou possua valva aórtica bicúspide a correção é feita com 5,0
centímetros. Se as artérias renais ou mesentéricas forem envolvidas essas devem
ser reimplantadas, valendo o mesmo para os casos de necessidade de intervenção
por aneurisma na raiz da aorta.
Já a
recomendação da Society for Vascular Sugery and north American Chapter of the
international Society for Cardiovascular Surgery é de que pacientes com
aneurismas de aorta abdominal com diâmetro maior que 4,0 cm assintomático devem
ser encaminhados a cirurgia. De qualquer forma a progressão do diâmetro do
aneurisma de 0,5 cm em seis meses ou 1 cm em um ano é
motivo para cirurgia independente dos sintomas.
DISSECÇÃO DE
AORTA
A dissecção
de aorta é um agravamento do hematoma da parede da aorta, ocorrida quando há
rompimento no vasa vasorum ou da
íntima. Como as forças de agressão se mantém o hematoma cresce e há rompimento
longitudinal da camada média formando um falso lúmen que se comunica com o
lúmen verdadeiro.
A dissecção
pode ser classificada como tipo A ou proximal, mais comum, quando envolve a
aorta ascendente ou essa porção com progressão para descendente, e tipo B ou
distal quando envolve a aorta descendente. Isso é muito importante porque a
dissecção proximal acarreta risco de rompimento e tamponamento cardíaco maior. 90%
dos casos envolvem indivíduos entre 40 e 60 anos e homens são acometidos duas
vezes mais que mulheres. Hipertensos são especialmente expostos ao risco. Raras
vezes e por motivos desconhecidos ocorre em mulheres jovens no periparto e
ainda nos pacientes em geral por iatrogenias na introdução de cateter ou
cirurgia cardíaca.
Doenças da
aorta com degeneração da elastina é o fator mais importante. Portadores de
síndrome de Marfan cursam com degeneração císcita da aorta e sofrem especialmente
com essa patologia. A degeneração cística é uma lesão em que há degeneração e
fragmentação dos elementos elásticos e fibromusculares da média, criando
espaços parecidos com fendas que são preenchidos por material amorfo semelhante
a cistos. Como não ocorre necrose, nem cistos verdadeiros a denominação necrose
cística não é correta, mas enfim... A dissecção inicia com uma ínfima lesão na
camada íntima, expondo a camada média à pressão arterial sistêmica. Como a
camada média não é preparada para isso o sangue rasga a conexão entre a média e
a íntima, aumentando o hematoma até formar um falso lúmen.
A dor ocorre
em quase 100% dos casos, geralmente de início abrupto em diversos locais a
depender da localização do aneurisma: retroesternal de início com irradiação
para dorso, interescapular, região inferior das costas ou abdominal, podendo
migrar na medida em que a disseção aumenta. A dor é descrita como lancinante,
lacerante ou em punhalada e muitas vezes pode ser confundida com a dor do IAM.
A hipertensão
manifesta-se em 70% dos pacientes, mas a hipotensão também ocorre quando há
ruptura da dissecção. A falsa hipotensão pode ocorrer quando há envolvimento de
artérias subclávias (nesse caso a compressão da artéria resulta em aferição
falsamente mais baixa quando aferido no braço irrigado por esse vaso). Já o
envolvimento das artérias braquiocefálicas induz a acidente vascular encefálico
e coma. Complicações graves podem ocorrer por compressão das coronárias
causando hipóxia e infarto agudo do miocárdio. A obstrução das artérias espinhais
culmina em mielite transversa.
Caso haja extensão
para aorta abdominal e comprometimento do fluxo para as artérias renais, ocorre
insuficiência renal aguda e magnificação da hipertensão por ativação do sistema
renina-angiotensina-aldosterona, pois já que chega pouco sangue no local, o rim
interpreta um estado de hipotensão e ativa sua contra-regulação. O
comprometimento das artérias mesentéricas também causam infartos no mesentério,
com o paciente se queixando de dor abdominal.
DIAGNÓSTICO
A radiografia
de tórax consegue identificar alargamento da silhueta do mediastino em 65% dos
casos e por isso não é confiável. Pode observar também derrame pleural à
esquerda em pacientes com comprometimento da aorta descendente. Felizmente diversos
outros exames tem acurácia adequada. Fala-se da aortografia (que pode não
perceber o hematoma intramural), a ressonância magnética, a tomografia de tórax
e a ecografia transesofágica, este último sendo o exame indicado quando existe
forte suspeita clínica e com isso há necessidade de um exame rápido. Caso a
suspeita seja pequena, o exame indicado á e a tomografia de tórax com
contraste.
TRATAMENTO
A intensão do
tratamento é diminuir as forças que possibilitam a agressão na íntima. Com isso
o falso lúmem pararia de avançar. A contração cardíaca deve diminuir até uma
pressão sistólica de 100 a 120 ou menos, desde que seja mantida a perfusão
renal. O labetolol intravenoso é uma ótima escolha por ser beta e alfa
bloqueador. A dose inicial é de 20 mg infundido em dois munitos, depois uma
dose de 20 a 80 mg a cada 15 minutos até completar 300 mg. Depois disso
mantem-se a infusão de 2 a 8 mg/minuto. Uma alternativa mais acessível é o
propranolol, um beta bloqueador puro, na dose de 1 mg em bolus a cada 3 a 5
minutos até alcançar o patamar e bloqueio desejado, depois manter a infusão de
20 mg por hora. Após o labetolol ou propranolol usa-se o nitroprussiato de
sódio na dose de 0,5 a 8 microgramas/Kg/ minuto para reduzir a pressão arterial.
Caso os betabloqueadores sejam contraindicados pode-se utilizar o bloqueador
dos canais de cálcio como o diltiazem intravenoso na dose de 20 mg em dois
minutos e manutenção de 5 a 15 mg/hora.
Se a
dissecção for tipo A aguda o reparo cirúrgico será necessário pelo risco de tamponamento
cardíaco, AVC, insuficiência aórtica grave e é claro ruptura com grave risco de
morte. Se for crônica podem ser tratados
clinicamente porque já passaram do período de risco de mortalidade, que é de 1%
por hora se não tratada. O tipo B costuma evoluir bem com o tratamento clínico
a não ser que tenha complicação em órgão alvo, quando a cirurgia também é
necessária.
O seguimento
tem o objetivo de manter a pressão arterial sistólica abaixo de 120 mmHg sem
interrupções. A diminuição da contratilidade é mantida com metoprolol ou
atenolol, ambos de 25 a 200 mg 12/12 horas. Geralmente é introduzido o inibidor
da ECA, o lisinopril na dose de 5 a 40 mg ao dia, e se necessário um terceiro,
um diurético tiazídico, a hidroclorotiazida na dose de 12,5 a 50 mg ao dia.
REFERÊNCIAS
LOPES, Antônio Carlos. Tratado de
Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.
COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T.
Robbins. Bases Patológicas das Doenças:
Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
Goldman L, Ausiello D. Cecil: Tratado de Medicina Interna. 22ªEdição. Rio de Janeiro: elsevier,
2005.