domingo, 4 de outubro de 2015

ANEURISMA/DISSECÇÃO DE AORTA



A anatomia vascular da aorta é imperante para a compreensão de sua fragilidade, a qual propicia a ocorrência do distúrbio de calibre. Existem três camadas: a íntima, mais interna, composta por células epiteliais; a média, mais espessa, composta por células de elastina para lhe conferir resistência; e adventícia, mais externa, composta essencialmente por fibras de colágeno, contendo ainda o vasa vasorum, uma rede de microvasos com função de nutrição da aorta como um todo.

A aorta é composta em diversas porções. A ascendente possui 05 cm de comprimento e 03 cm de largura; na base desta porção existem três seios, os seios de Valsalva, que são prolongamentos aórticos mais frágeis que adentram o coração e compõem as cúspides da valva semilunar. A aorta descendente possui 2,5 cm de largura e 20 cm de comprimento; após cruzar o diafragma se torna aorta abdominal – antes torácica – possuindo 20 cm de comprimento e 2,0 cm de largura.

A aorta não está sozinha na caixa torácica e nem no abdomem e para suportar a pressão que surge do coração ela divide a resistência junto uma matriz extracelular composta por elastina e colágeno. Fatores que diminuem a resistência tanto da parede da aorta, como das estruturas em que ela se apoia são a base para a ocorrência dos aneurismas e dissecções.

O aneurisma é uma dilatação patológica, podendo ser fusiforme quando é simétrica ou sacular quando a dilatação ocorre em apenas uma das paredes. O aneurisma pode ser torácico ou abdominal, essa última bem mais comum. No arco aórtico, de onde se originam as artérias braquiocefálicas é muito incomum. Ocorrem cinco vezes mais em homens, com prevalência de 03% das pessoas maiores de 50 anos, e os aneurismas que se iniciam no tórax podem se estender para o abdome ou vice-versa, criando um aneurisma toracoabdominal.

Dentre os fatores de risco mais importantes estão o tabagismo e a síndrome de Marfan, uma doença genética que fragiliza os tecidos conectivos. Acrescenta-se ainda a hipertensão e dislipidemias, que são comuns a todos os tipos de aneurismas. A aterosclerose é o principal fator envolvido nos aneurismas abdominais e torácicos. O aneurisma de aorta infrarrenal é especialmente afetado pela aterosclerose, mas sabe-se que sua ocorrência é multifatorial. Dentre os pacientes não portadores da síndrome de Marfan fatores importantes para aneurisma torácico é a válvula aórtica bicúspide e a síndrome aneurismática familiar. Causas raras para a região torácica estão as dissecções de aorta, aortite infecciosa, arterite de grandes vasos e traumas de aorta.

De alguma forma os fatores de risco se convergem e induzem a produção de enzimas pelo músculo liso que degradam elastina e o colágeno, enfraquecendo as paredes da aorta e as estruturas em quais ela se apoia. Na musculatura lisa da aorta ascendente ocorre a degeneração cística da média, quando a degeneração da elastina evolui para necrose, ocorrendo especialmente nos portadores da síndrome de Marfan.

Daí começa a dilatação e o pesar da chamada lei de Laplace, a qual afirma que quanto maior o raio do compartimento maior a pressão do líquido sobre suas paredes. Dessa forma, após ser iniciado, o aneurisma entra num estado onde quanto maior a fragilidade do vaso, maior sua dilatação e maior é a pressão sobre a parede arterial retroalimentando o problema.


CLÍNICA

O principal sintoma do aneurisma de aorta abdominal é a dor em hipogastro, mas pode ocorrer em tórax ou em região lombar, com ou sem instabilidade hemodinâmica. Existem diversas intensidades e velocidades de surgimento da dor, sendo súbita apenas quando ocorre rompimento de aneurisma, que é incomum e extremamente grave, manifestada como massa pulsante em abdome e hipotensão grave. Fora isso a dor é insidiosa, arrastada até dias, com referência a sensação como se algo estivesse roendo.

No aneurisma torácico também haverá dor torácica ou menos frequente nas costas, mas a compressão de estruturas adjacentes é responsável por diversas complicações, inclusive o tamponamento cardíaco. Podem surgir sibilos, dispneia, rouquidão, disfagia e até pneumonia recorrente, além de repercussões vasculares como hemoptise, insuficiência aórtica e tromboembolismo. Além disso, ocorre ainda hemotórax, hemomediastino, hemoperitôneo e hematêmese. Os sintomas podem simular um quadro de colecistite aguda com dor no quadrante superior direito com irradiação para omoplata e piora ventilatória dependente, nesse caso caracterizando o sinal de Einstein em homenagem ao cientista Albert Einstein, que morreu de causas aneurismáticas.

Se o aneurisma afetar a valva aórtica ocorrerá insuficiência cardíaca e compressão de outras estruturas é motivo para disfonia, insuficiência respiratória, disfagia e síndrome da veia cava superior – dispneia, a pletora facial e edema cervicofacial (mais comuns), tosse, edema dos membros superiores, dor torácica e disfagia.


DIAGNÓSTICO

Aneurisma torácico não pode ser palpado, mas o abdominal sim. O torácico é visualizado com a tomografia computadorizada, sendo também exame de escolha para o rastreamento em pessoas fumantes ou ex fumantes com mais de 65 anos. A radiografia de tórax identifica o aneurisma torácico por desvio da traqueia, alargamento da silhueta do mediastino e do arco aórtico. A ecocardiografia transtorácica consegue visualizar bem a raiz da aorta e por ser usado no rastreamento do pacientes com síndrome de Marfan.

Os aneurismas abdominais podem ser identificados pela tomografia computadorizada, mas também o podem pela ultrassonografia abdominal, que inclusive é muito sensível.


TRATAMENTO

A principal preocupação no aneurisma é sua ruptura. Aneurismas abdominais com largura de 4,0 cm são bem seguros, com chance de ruptura de 0,3% ao ano, se 4,0 a 4,9 cm a chance é de 1,5% e de 5,0 a 5,9 é de 6,5%. Contudo com o rompimento do aneurisma a mortalidade é extremamente alta, chegando a 80% para aqueles que não conseguem chegar ao hospital e 50% para aqueles que são encaminhados ao hospital. Os aneurismas torácicos são mais difíceis de romper, mas as chances aumentam muito para aqueles com mais de 6,0 cm, tendo uma mortalidade total de 76% em 24 horas.

Não há tratamento clínico eficaz, apenas cirúrgico com a introdução de uma prótese tubular ao redor dos locais acometidos. Segundo o Cecil, Goldman e Schafer (2014) aneurismas abdominais com 3,5 a 4,4 cm devem ser monitorizados por exames de imagens de 12/12 meses na intenção de identificar qualquer alargamento. Aneurismas de 4,4 a 5,4 o acompanhamento se faz de 6/6 meses. A partir de 5,5 cm deve ser corrigido, mas caso o pacientes seja portador de síndrome de Marfan ou possua valva aórtica bicúspide a correção é feita com 5,0 centímetros. Se as artérias renais ou mesentéricas forem envolvidas essas devem ser reimplantadas, valendo o mesmo para os casos de necessidade de intervenção por aneurisma na raiz da aorta.

Já a recomendação da Society for Vascular Sugery and north American Chapter of the international Society for Cardiovascular Surgery é de que pacientes com aneurismas de aorta abdominal com diâmetro maior que 4,0 cm assintomático devem ser encaminhados a cirurgia. De qualquer forma a progressão do diâmetro do aneurisma de 0,5 cm em seis meses ou 1 cm em um ano   é motivo para cirurgia independente dos sintomas.


DISSECÇÃO DE AORTA 


A dissecção de aorta é um agravamento do hematoma da parede da aorta, ocorrida quando há rompimento no vasa vasorum ou da íntima. Como as forças de agressão se mantém o hematoma cresce e há rompimento longitudinal da camada média formando um falso lúmen que se comunica com o lúmen verdadeiro.

A dissecção pode ser classificada como tipo A ou proximal, mais comum, quando envolve a aorta ascendente ou essa porção com progressão para descendente, e tipo B ou distal quando envolve a aorta descendente. Isso é muito importante porque a dissecção proximal acarreta risco de rompimento e tamponamento cardíaco maior. 90% dos casos envolvem indivíduos entre 40 e 60 anos e homens são acometidos duas vezes mais que mulheres. Hipertensos são especialmente expostos ao risco. Raras vezes e por motivos desconhecidos ocorre em mulheres jovens no periparto e ainda nos pacientes em geral por iatrogenias na introdução de cateter ou cirurgia cardíaca.

Doenças da aorta com degeneração da elastina é o fator mais importante. Portadores de síndrome de Marfan cursam com degeneração císcita da aorta e sofrem especialmente com essa patologia. A degeneração cística é uma lesão em que há degeneração e fragmentação dos elementos elásticos e fibromusculares da média, criando espaços parecidos com fendas que são preenchidos por material amorfo semelhante a cistos. Como não ocorre necrose, nem cistos verdadeiros a denominação necrose cística não é correta, mas enfim... A dissecção inicia com uma ínfima lesão na camada íntima, expondo a camada média à pressão arterial sistêmica. Como a camada média não é preparada para isso o sangue rasga a conexão entre a média e a íntima, aumentando o hematoma até formar um falso lúmen.

A dor ocorre em quase 100% dos casos, geralmente de início abrupto em diversos locais a depender da localização do aneurisma: retroesternal de início com irradiação para dorso, interescapular, região inferior das costas ou abdominal, podendo migrar na medida em que a disseção aumenta. A dor é descrita como lancinante, lacerante ou em punhalada e muitas vezes pode ser confundida com a dor do IAM.

A hipertensão manifesta-se em 70% dos pacientes, mas a hipotensão também ocorre quando há ruptura da dissecção. A falsa hipotensão pode ocorrer quando há envolvimento de artérias subclávias (nesse caso a compressão da artéria resulta em aferição falsamente mais baixa quando aferido no braço irrigado por esse vaso). Já o envolvimento das artérias braquiocefálicas induz a acidente vascular encefálico e coma. Complicações graves podem ocorrer por compressão das coronárias causando hipóxia e infarto agudo do miocárdio. A obstrução das artérias espinhais culmina em mielite transversa.

Caso haja extensão para aorta abdominal e comprometimento do fluxo para as artérias renais, ocorre insuficiência renal aguda e magnificação da hipertensão por ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, pois já que chega pouco sangue no local, o rim interpreta um estado de hipotensão e ativa sua contra-regulação. O comprometimento das artérias mesentéricas também causam infartos no mesentério, com o paciente se queixando de dor abdominal.


DIAGNÓSTICO

A radiografia de tórax consegue identificar alargamento da silhueta do mediastino em 65% dos casos e por isso não é confiável. Pode observar também derrame pleural à esquerda em pacientes com comprometimento da aorta descendente. Felizmente diversos outros exames tem acurácia adequada. Fala-se da aortografia (que pode não perceber o hematoma intramural), a ressonância magnética, a tomografia de tórax e a ecografia transesofágica, este último sendo o exame indicado quando existe forte suspeita clínica e com isso há necessidade de um exame rápido. Caso a suspeita seja pequena, o exame indicado á e a tomografia de tórax com contraste.


TRATAMENTO

A intensão do tratamento é diminuir as forças que possibilitam a agressão na íntima. Com isso o falso lúmem pararia de avançar. A contração cardíaca deve diminuir até uma pressão sistólica de 100 a 120 ou menos, desde que seja mantida a perfusão renal. O labetolol intravenoso é uma ótima escolha por ser beta e alfa bloqueador. A dose inicial é de 20 mg infundido em dois munitos, depois uma dose de 20 a 80 mg a cada 15 minutos até completar 300 mg. Depois disso mantem-se a infusão de 2 a 8 mg/minuto. Uma alternativa mais acessível é o propranolol, um beta bloqueador puro, na dose de 1 mg em bolus a cada 3 a 5 minutos até alcançar o patamar e bloqueio desejado, depois manter a infusão de 20 mg por hora. Após o labetolol ou propranolol usa-se o nitroprussiato de sódio na dose de 0,5 a 8 microgramas/Kg/ minuto para reduzir a pressão arterial. Caso os betabloqueadores sejam contraindicados pode-se utilizar o bloqueador dos canais de cálcio como o diltiazem intravenoso na dose de 20 mg em dois minutos e manutenção de 5 a 15 mg/hora.

Se a dissecção for tipo A aguda o reparo cirúrgico será necessário pelo risco de tamponamento cardíaco, AVC, insuficiência aórtica grave e é claro ruptura com grave risco de morte.  Se for crônica podem ser tratados clinicamente porque já passaram do período de risco de mortalidade, que é de 1% por hora se não tratada. O tipo B costuma evoluir bem com o tratamento clínico a não ser que tenha complicação em órgão alvo, quando a cirurgia também é necessária.

O seguimento tem o objetivo de manter a pressão arterial sistólica abaixo de 120 mmHg sem interrupções. A diminuição da contratilidade é mantida com metoprolol ou atenolol, ambos de 25 a 200 mg 12/12 horas. Geralmente é introduzido o inibidor da ECA, o lisinopril na dose de 5 a 40 mg ao dia, e se necessário um terceiro, um diurético tiazídico, a hidroclorotiazida na dose de 12,5 a 50 mg ao dia.


REFERÊNCIAS

LOPES, Antônio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Rocca, 2009.

COTRAN, R.S; Kumar V; COLLINS, T. Robbins. Bases Patológicas das Doenças: Patologia. ed. 7. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.


Goldman L,  Ausiello D. Cecil: Tratado de Medicina Interna. 22ªEdição. Rio de Janeiro: elsevier, 2005.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

ASSISTÊNCIA AO GRANDE QUEIMADO

Regra dos nove.

OBS: o blogger escolheu não incluir novas imagens para esta postagem, por considerar ato apelativo. Sugerimos então pesquisa via internet para mais imagens, pois as mesma são de fácil acesso.



Queimaduras ocorrem por diversos mecanismos: térmicos, químicos, elétricos, radiação, por atritos e outros. As queimaduras térmicas são as mais frequentes e o profissional deve estar atento para os sinais de queimaduras das vias respiratórias, o que demanda imersão em via aérea precoce, principalmente se o transporte para o local especializado irá demorar. Os indicativos clínicos são: queimaduras de face ou região cervical, chumascamento de cílios ou víbrias nasais, rouquidão, expectoração carbonácea, história de explosão e confinamento no local de incêndio.


PRIMEIRO ATENDIMENTO

MEDIDAS IMEDIATAS

Ao se deparar com o queimado o profissional deve logo retirar toda a roupa do paciente para interromper a queimadura, mas as roupas aderidas à pele devem ser retiradas cuidadosamente mediante lavagem com água corrente principalmente se for roupa derivada do plástico, pois esse material tende a se aderir à pele e prolongar a temperatura e o trauma. Produtos químicos devem ser retirados com água corrente em baixo fluxo por ao menos 20 minutos e de maneira nenhuma devem ser adicionado agentes neutralizantes, pois a reação é exotérmica. Lesões de córnea devem ser pesquisados com a aplicação de colírio de fluoresceína. O paciente então deve ser coberto com lençóis limpos, secos e quentes para prevenir a hipotermia.

Se o paciente teve mais de 20% da superfície corporal comprometida deve receber reposição volêmica através de gelcos calibrosos, de preferência n° 16G e nos membros superiores, pois as chances de trombos são maiores nos inferiores. Preferem-se também as áreas de pele íntegra, mas caso a distribuição das queimaduras dificulte o processo deve ser feito assim mesmo. 

Segue então a avaliação do paciente. Na investigação a história de explosão demanda outras investigações, pois o doente pode ter sofrido fraturas. Se foi queimadura em local fechado deve-se sempre suspeitar de lesão por inalação, que muitas vezes traz complicações apenas 24 horas depois. O método minemônico ARDEU ajuda: A de alergias; R de remédio em uso; D de doenças pessoais atuais e pregressas, assim como da família; E de eventos relacionados com a lesão; U de última refeição.

O próximo passo é a avaliação das lesões. A porcentagem de superfície comprometida é observada pela regra dos 9, a qual considera regiões do corpo do adulto em percentuais múltiplos de 9, com exceção das palmas e dedos, que representam 1% assim como a genitália. As proporções são as seguinte: cabeça e pescoço, cada um dos membros superiores, cada coxa, e perna e pé valem 9%. O tronco equivale 18% os dois lados.

O grau de lesão é definido pela profundidade. Primeiro grau se acomete apenas a epiderme, com eritema e sem bolhas. Segundo grau acomete parcialmente a derme, inclui as bolhas ou edema e a coloração é mosqueada ou avermelhada. Pode ser lagrimejante e certamente cursará com dor intensa.  Terceiro grau a derme é acometida ou ainda mais profundamente. A queimadura costuma ser escura e ter a aparência de couro e a pele ainda pode estar mosqueada (manchas escuras semelhantes a moscas) ou esbranquiçada.

Com isso o queimado segundo gravidade por ser:

Leve: queimaduras de 1° grau em qualquer idade; 2° grau com 5% de área queimada em menores de 12 anos ou 10% em maiores. Moderada gravidade: 2° grau de 5ª 15% de área queimada em menores de 12 anos ou 10 a 20% em maiores; qualquer queimadura em mão, pé, face, pescoço, axila ou grande articulação; queimaduras de 3° grau que não envolvam essas partes e de até 5% de área queimada em crianças de até 12 anos ou até 10% em maiores. Grande queimado: queimaduras de 2° grau com mais de 15% de área queimada em menores de 12 anos e maior de 20% além dessa idade; queimaduras de 3° grau com mais de 5% de queimadura em menores de 12 anos e 10% em maiores; 2° ou 3° grau atingindo períneo; 3° grau atingindo mão, pé, pescoço ou axila; qualquer queimadura por corrente elétrica.

Também serão classificados como grande queimado as vítimas que associem lesão inalatória, trauma ósseo, insuficiência renal, hepática ou cardíaca, quadros infecciosos graves, síndrome compartimental, idade menor de 3 anos e maior de 65 ou qualquer evento complicador. 

Os pacientes que devem ser encaminhados para serviços de emergência são com queimaduras de 2° grau com mais de 10% de superfície queimada, qualquer queimadura em mão, pé, face, pescoço, períneo ou grande articulação; qualquer queimadura de 3° grau, queimadura química ou elétrica; lesões por inalação; traumas concomitantes; unidade sem material ou pessoal qualificado.


REANIMAÇÃO

O comprometimento da via aérea se faz por três mecanismos: inalação de fumaça, queimadura direta e intoxicação por monóxido de carbono, este último devendo ser sempre suspeitado em queimaduras ocorridas dentro de recintos fechados. Essa intoxicação é diagnosticada pela medida da carboxihemoglobina, um composto cuja afinidade com a hemoglobina é 240 vezes maior que o oxigênio, justificando que apenas 01 mmHg de CO já eleva sua concentração no sangue a 40%.

Quando os níveis CO estiverem entre 20% e 30% o paciente já apresenta náusea e cefaleia; 30 a 40% há confusão; 40 a 60% o paciente evolui para coma; acima de 60% não há compatibilidade com a vida.  Isso justifica que qualquer suspeita de intoxicação por CO demanda oxigenoterapia a 100% através de máscara unidirecional sem recirculação. Também é necessário a intubação orotraqueal, mas com o cuidado de pré-oxigenar o paciente antes.

A suspeita de lesão direta exige intubação precoce. Como dito antes a inalação provoca repercussões diversas horas após o evento. A inalação é respondida pela via respiratória com um evento inflamatório produtor de secreções e diminuição da luz do trato respiratório inferior. Como a broncoscopia pode ser necessária a intubação deve ser realizada com cânula endotraqueal de grosso calibre. O paciente ainda deve ter seu tronco e cabeça posicionados a 30° para melhorar o retorno venoso e diminuir o edema do pescoço. Se houverem queimaduras de 3° grau no tórax com limitação de movimentos respiratórios é necessária a realização de escarotomia.

Com vistas no acompanhamento da resposta à hidratação deve ser instalada uma sonda vesical de Foley. A hidratação de ser realizada com ringer com lactato, com metade do volume sendo administrada nas primeiras 08 horas após a queimadura e a outra metade nas próximas 16 horas. A diurese é quem vai direcionar a velocidade de hidratação, devendo estar em 0,5 a 1 ml/Kg/hora no adulto e 1 ml/Kg/hora na criança abaixo de 30 Kg. Se o trauma for elétrico a diurese deve ser de 1,5 ml/Kg/h ou até clareamento da urina. No caso das crianças o ringer com lactato deve ter adicionado solução glicosada na proporção de 4:1. A fórmula de Parkland é utilizada nessa fase de hidratação: 2 a 4 ml X Kg de peso X % de superfície queimada. Nos idosos a fórmula contém um volume um pouco menor: 2 a 3 ml X Kg X % superfície queimada.

Como as arritmias cardíacas podem ser o primeiro sinal de desequilíbrio ácido básico e de eletrólitos e um ECG deve ser realizado. A aferição da TA deve ocorrer a cada três horas, assim como a aferição da glicemia.

As nas queimaduras de mãos os membros afetados devem ficar elevados por 24 a 48 horas. Queimaduras em pernas e pé dificultam a deambulação, mas esta deve ser estimulada, elevando o membro quando o paciente se encontrar no leito. A intensão da elevação é reduzir o edema que surgirá nas queimaduras de média ou grande gravidade. Idosos com mais 20%, adultos com mais de 25% e crianças com mais de 15% de área queimada devem usar sonda nasogástrica. Se o paciente perde 10% do seu peso durante a internação também, assim como na necessidade de múltiplas intervenções cirúrgicas. O paciente também deverá realizar profilaxia para o tétano e na criança devem ser pesquisados sinais de maus tratos.

Proceder com analgesia com dipirona 500 mg ou 01 grama EV ou morfina 01 ml (01 ampola= 01 ml ou 10 mg) diluída em 09 ml de SF 0,9%. Daí é administrada 01 mg u 01 ml da solução para cada 10 Kg; em crianças a morfina é a metade dessa dose e a dipirona é com 25 a 50 mg/Kg de peso endovenoso. Prescrever complexo B+ vitamina C, lembrando que o comp. B é fotossensível e deve ser aplicado sob equipo translúcido. Antibióticos só devem ser utilizados se o paciente apresentar temperatura acima de 39° e o agente fica a critério de cada serviço.

Deve-se higienizar a ferida com PvPi degermente ou clorexidina degermante a 2% e sulfadiazina de prata com cobertura antes do curativo oclusivo. Administrar ranitidina 01 amp ou 25 mg de 6/6 ou 8/8 horas para prevenir a úlcera gastrointestinal por estresse; heparina 5.000 ui 24/ 24 horas. Evitar corticoides e antibióticos sem sinais clínicos de infecção.

A escarotomia deve ser realizada através de três incisões: um em cada linha hemiclavicular que se estenderá até pouco abaixo de outra que é realizada perpendicularmente abaixo da linha inferior dos arcos cortais. A escarotomia nos MMSSII é realizada nos lados mediais e laterais. Como esse procedimento só é necessário em queimaduras de 3° grau, no qual as terminações nervosas foram cauterizadas, não há necessidade de analgesia.

Os exames de controle são: hemograma, proteinograma, coagulograma, eletrólitos, ureia, creatinina, urina tipo 1 e glicemia de jejum.

Outras considerações: na queimadura por corrente elétrica deve-se identificar o tipo de corrente, se alternada ou contínua, se houve local de entrada e saída, existência de PCR, monitorização cardíaca por 24 a 48 horas, dosagem de CPK e CK-MB. Nas queimaduras químicas por fluorito com repercussões sistêmicas utilize gluconato de cálcio diluído em SF a 0,9% em infusão endovenosa lenta e acompanhando os níveis de cálcio, aplicar gluconato de cálcio a 2,5% gel sobre o leito das lesões e friccione para alcançar as lesões mais profundas.  Caso não haja descontinuidade da queimadura usa-se o gluconato de cálcio diluído em SF 0,9% de maneira a infundir 0,5 ml da medicação a cada centímetro quadrado, devendo ser aplicado a 0,5 centímetro da borda da lesão em direção ao centro.
A escarotomia deve ser realizada em forma de S estendido quando a queimadura for no braço, tomando-se cuidado de começar na dobra axilar anterior e terminar na face  anterior do epicôndilo medial para assim livrar o trajeto do nervo ulnar. No antebraço se faz a mesma forma indo da extremidade proximal anterior d rádio até a prega flexora distal do punho. Na mão deve-se incisar na região dorsal a altura dos segundo e quarto metatarsos, perfurando entre os espaços interósseos e abrindo a forçosamente a lesão com uma pinça. Nos dedos indicador e médio a incisão deve ocorrer do lado ulnar, e nos polegar, anular e mínimo deve ocorrer do lado radial.

Fasciotomias devem ocorrer na presença de síndrome compartimental, que ocorrem em lesões por queimaduras elétricas, térmicas e politraumatizdos com esmagamento. Se a queimadura atinge tecido adiposo, fáscia e musculo a escarotomia não faz efeito e por isso a fasciotomia deve ser realizada. O trajeto pode ser semelhante à da escarotomia, mas um cuidado especial deve ser dado em perna, começando da face anterior da fíbula e se direcionando à face posterior para livrar o trajeto do nervo fibular.

Deve-se tomar cuidado com as escarotomias desnecessárias, pois o procedimento é uuma grande agressão. Como a queimadura lesiona os músculos, esses respondem com eventos inflamatórios e edema que não é acompanhado pelo superfície do membro acometido, pois a queimadura não permite. A pressão interna aumenta e o sangue não consegue chegar para oxigenar as estruturas. Então se realiza-se medida de oximetria de pulso e a saturação está acima de 90%, não há necessidade da escarotomia. O locais preferenciais para a oximetria são no segundo dedo da mão e do pé, cuja boa perfusão reflete boa oxigenação de todas as estruturas anteriores.

Os ferimentos também devem ser desbridados em centro cirúrgico e sobre analgesia. Os curativos devem ser mantidos oclusivos com uso de antibióticos tópicos a exemplo de sulfadiazina de prata ou de zinco, ou salicilato de sódio ou até colagenases. Curativos aderentes com prata são uma opção mais moderna, e até gazes umedecidas com polivinilpirrolidinaiodo ou clorhexidina. Os curativos devem ser realizados de 12/12 a 36/36 horas.


REFERÊNCIAS

Autores Corporativos do American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Support (ATLS) - Manual do Aluno, ed. 8, 2008.

Piccolo, N. S; Serra M. C. V. F; Leonardi, D. F.; Lima Jr, E. M; Novaes, F. N.; Correa, M. D.; Cunha, L. R.; Amaral, C. E. R; Prestes, M. A.; Cunha, S. R.; Piccolo, M. T. Queimaduras: Diagnóstico e Tratamento Inicial. Projeto Diretrizes, Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, abr. 2008. Disponível em: < http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/083.pdf >. (DESTAQUE)

Piccolo, N. S; Serra M. C. V. F; Leonardi, D. F.; Lima Jr, E. M; Novaes, F. N.; Correa, M. D.; Cunha, L. R.; Amaral, C. E. R; Prestes, M. A.; Cunha, S. R.; Piccolo, M. T. Queimaduras – parte II: Tratamento da Lesão. Projeto Diretrizes, Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, abr. 2008. Disponível em: < http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/083a.pdf >. (DESTAQUE)