quinta-feira, 30 de outubro de 2014

CÂNDIDA CONTRA FLORA (VAGINAL FISIOLÓGICA)


MICROFLORA VAGINAL NORMAL


FIGURA 01: Lactobacilus acidophilus


O conteúdo vaginal é a priori um meio de cultura. É formado por secreção ovariana, uterina, células descamadas da ectocérvice e das paredes, proteínas e hidratos de carbono, contendo uma diversidade de nutrientes para o crescimento bacteriano. Normalmente a secreção vaginal e clara, inodoro, viscosa e com PH entre 3,5 e 4,5. Nas mulheres em idade reprodutiva o estrógeno aumenta a quantidade de glicogênio nas células do meio vaginal, criando o meio ideal para a colonização por lactobacilos e com isso 80 a 95% das bactérias da flora vaginal normal pertencem a essa classe. Contudo, nem todas as mulheres exibem a prevalência dessas bactérias em condições normais, podendo prevalecer outras também produtoras de ácido lático.

O primeiro a estudar a flora vaginal foi Gustav Doderlein, que identificou os lactobacilos citados, mas as denominações Lactobacilus acidophilus ou bacilo de Doderlein são denominações simplistas, pois o que existe é mulheres com predomínio de L. crispatus e inners, ou crispatus e grasseri. Ocasionalmente podem ser encontradas também L. gallinarun, L. jensinii e L. vaginalis.  Estudos identificam que os L. jensinii, L. crispatus e grasseri ocorre a nível mundial. Em mulheres com condições vaginais adequadas sem prevalência dos lactobacilos citados o Atopobium vaginae, o Megasphaera e Leptotrichia são bactérias produtoras de ácido lático, que por serem bem distintas dos lactobacilos podem confundir o avaliador para um falso quadro de vaginose bacteriana, quando ocorre um distúrbio patológico da flora vaginal.

Estudos identificam variações étnicas do conteúdo vaginal, com as mulheres da raça negra apresentando PH mais alcalino em relação a outras mulheres, justificando presença de odor mais forte, sem que isso signifique condição patológica. Identificaram também maior prevalência dessas outras bactérias produtoras de ácido lático, o que justifica a alcalinização pouco mais acentuada.

De qualquer forma todas essas bactérias agem de maneira benéfica produzindo ácidos e criando um ambiente hostil para bactérias patogênicas. Além de produzirem ácidos produzem também peróxido de hidrogênio, bactericinas e biosurfactantes. Além disso, as bactérias benéficas formam um biofilme sobre a mucosa vaginal, ocupando receptores de superfície – ou Toll-like receptors, que poderiam ser ocupados por bactérias patogênicas.


CANDIDÍASE

FIGURA 02: Cândida albicans

É uma patologia genital feminina causa por fungos da família Cândida, normalmente colonizadora dos tratos gastrointestinal, respiratório, urinário e genital humano. Pode ser encontrada em 80% das pessoas mesmo na ausência de quaisquer condições patológicas.  É a segunda causa mais requente de vulvovaginites, responsável por 17 a 39% dos casos, quando a vaginose corresponde a 22 a 50%.

Para começar é uma bactéria cujo PH ótimo tende ao ácido, por isso tendo sua população aumentada em períodos férteis e anteriores à menstruação. Dentro da vagina a Cândida colocará em prática alguns mecanismos que lhe ajudam a colonizar o maio vaginal. Primeiramente há um conjunto de oito proteínas codificadas por genes da família Agglutinin-Like Sequence (ALS), com propriedades de aderência ao epitélio vaginal. São as adesinas. Algumas dessas proteínas possuem a atividade adicional de invasina e isso possibilita a invasão da mucosa, justificando a manifestação das placas nas paredes da vagina – a als 3.  A als3 se agrega à membrana das células do epitélio, liberando um sinal para que o fungo seja fagocitado. A partir daí a als3 exibe uma terceira função que é de ligação à ferritina, possibilitando que o fungo se utilize do ferro do hospedeiro para crescer após a penetração na parede vaginal.

Outra característica da Cândida é a mudança de forma para suportar ambientes ácidos e básicos. Quando na forma de hifas (filamentosa), por exemplo, fica mais fácil se aderir ao epitélio vaginal e de alguma forma a torna mais resistente ao meio ácido. Então quando a célula epitelial se lança em pseudópodos para fagocitar o invasor e destruí-lo, ocorre que com a produção de proteases e fosfolipases a cândida consegue penetrar pelas junções intercelulares e adentrar no tecido genital, além de fuga na presença de linfócitos.

Normalmente as defesas do organismo não permitem o crescimento abundante da Cândida, mas quando a cândida consegue sobressair-se é instalado um quadro inflamatório intenso que repercute na clínica da candidíase. Quanto à colonização essa patologia pode ocorrer por duas classes gerais de fungos: a Cândida albicans e não albicans. 80 a 92% dos casos é causado pela Cândida albicans. O termo não albicans se refere a: Cândidas glabrata, kruscei, topicalis, parapsilosis e Saccharomyces cerevisiae. Este último patógeno não é uma Cândida, mas está tão intrinsecamente ligado à candidíase que termina por entrar nessa classificação. Silva et al. afirma que a infecção por Saccharomyces cerevisiae é clinicamente indissociável da fungemia por cândida albicans. De qualquer maneira a clínica da candidíase é a mesma para todos os tipos, sendo importante uma outra classificação em simples e grave recorrente. Esta última é classificada quando a mulher apresenta quatro episódios ou mais dentro de um ano, o que corresponde a 5% dos casos. ´

Os sintomas da candidíase são: prurido, ardência, corrimento grumoso e sem odor, dispareunia, disúria externa, eritema, fissuras vulvares, edema vulvar, escoriações pelo ato de coçar. As escoriações por vezes podem complicar para pústulas a depender da intensidade do prurido. Outra característica bem ligada ao mecanismo de entrada do fungo no organismo é a presença de placas esbranquiçadas nas paredes vaginais. Pode ocorrer também a colpite, chegando a ser erosiva quando a resposta inflamatória é muito intensa.

O diagnóstico pode ser obtido, na maioria das vezes pela clínica, mas nos casos de candidíase recorrente o melhor é realizar cultura do raspado – com espátula de Ayre ou swab – das paredes vaginais e colo, onde estão as placas. Isso porque a sensibilidade do exame Papanicolau é de apenas 25% para pacientes com cultura positiva. O teste de wiff, quando se utiliza o hidróxido de potássio a 10% esperando-se a exalação de odor fétido – nos casos de vaginose – não ocorre. A visualização das hifas à microscopia é muito característica da candidíase.  É necessário afastar a dermatite de contato, investigando o uso de absorventes e papel higiênico, sabonetes e o sêmem do parceiro. Em muitos casos de candidíase recorrente é salutar solicitar a cultura de esperma do parceiro, pois pode ser a fonte de contaminação.



FIGURAS 03 E 04: Placas formadas com o acúmulo de Cândidas

TRATAMENTO

Para a candidíase não complicada a primeira opção são cremes vaginais. Para o Ministério da Saúde a primeira opção é o Miconazol creme via vaginal por sete noites. Esse creme é ideal nos casos de candidíase por Cândida albicans e não albicans. Outra opção é a nistatina, utilizada por 14 dias, respondendo melhor nos casos de contaminação por cândida albicans. Como segunda opção tem-se o tratamento via oral com fluconazol 150 mg dose única, ou itraconazol 200 mg 12/12h por um dia. O tratamento oral é de segunda escolha por haver a chance de causar cefaleia, náuseas e dor abdominal.

Na candidíase complicada deve-se evitar o uso de cremes de amplo espectro. As medicações orais são preferidas. Alguns estudos recomendam a utilização da terapia com creme por 14 dias, aliado a 100, 150 ou 200 mg de fluconazol 1x ao dia, repetidos nos 1°, 4° e 7° dias. Para casos mais graves deve-se fazer o seguimento, que é realizado com fluconazol 150 mg por seis meses nessa sequencia de dias e caso haja recidiva esse seguimento durará um ano.

Quando a paciente apresenta recorrência com corrimento abundante e menos espesso, além de ardor mais intenso que o prurido deve-se desconfiar de candidíase não albincans. Nesses casos se utiliza o acido bórico 600 mg via vaginal diariamente por duas semanas, o que resolve mais de 70% dos casos. Pode-se repetir esse período com duas doses na semana. Se falha utiliza-se flucitosina a 17% 5 gramas por dia via vaginal à noite durante duas semanas. Por fim resta a anfotericina B supositório por 14 dias via vaginal.

Quando se desconfia que a reação inflamatória é alérgica e não simplesmente pela presença de cândida, pode-se utilizar acetato de medroxiprogesterona 150 mg intramuscular e uso de iogurte por via oral para dessensibilização aos lactobacilos. Na desconfiança de dermatite de contato deve-se utilizar qualquer anti-histamínico, mas cuidado, pois não devem ser utilizados junto com os triazólicos por risco de cardiopatia. O uso do iogurte e da medroxiprogesterona não é totalmente comprovado.

Para os que estiverem em uso de fluconazol lembrar que esse medicamento interage com anticoagulantes, anticonvulsivantes, hipoglicemiantes e teofilina.

REFERÊNCIAS

SILVA, Felipe Henriques Alves da; PAÇO, Fernando Ribeiro; AMARAL, Vinicius; REIS, Eduardo. Infecção por Saccharomyces cerevisae – uma infecção atípica em UTI. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. v. 23, n. 1, p. 108-111.

JACYNTHO, Cláudia. Vulvovaginites. FEBRASGO. Disponível em: <http://www.jacyntho.com.br/php/artigos/FEBRASGO_2010.pdf>.

GONÇALVES, Ana Katherine da Silveira; MARANHÃO, Tecia Maria de Oliveira; AZEVEDO, George Dantas; GIRALDO, Paulo César; ELEUTÉRIO JÚNIOR, José; SILVA, Maria José Penna Maisonnette de Attayde. Microbiota vaginal: manejo das vulvovaginites no climatério. FEMINA. v. 36, n. 6, p. 345-349. Jun, 2008.  

LINHARES, Iara Moreno; GIRALDO, Paulo Cesar; BARACAT, Edmund Chada. Novos conhecimentos sobre a flora bacteriana vaginal. Revista da Associação Médica Brasileira. V. 56, n. 3, p. 370-37, 2010.

ROSSI ET AL. Interações entre Candida albicans e Hospedeiro. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde. Londrina, v. 32, n. 1, p. 15-28, jan./jun. 2011.

FEUERSCHUETTE, Otto Henrique May; SILVEIRA, Sheila Koettker; FEUERSCHUETTE, Irmoto; CORRÊA, Tiago; GRANDO, Leisa; TREPANI, Alberto. Candidíase vaginal recorrente: manejo clínico. FEMINA. v. 38, n. 2, Fevereiro. 2010. (DESTAQUE)